segunda-feira, 3 de outubro de 2016

1 ano de vida a partir de Outubro de 2016

Tenho 35 anos. Pai, marido, filho, irmão, amigo, cidadão. Estes são alguns dos papeis que tenho ou adquiri durante esse lapso de tempo de 35 anos. Mas foi um médico que trouxe a mais bela notícia do dia: Danilo, resta-lhe 1 ano de vida a partir de Outubro de 2016.


Wow! É emocionalmente muito mobilizante tomar consciência de que se está ainda vivo! Sim! torna-se vivo aquele que enxerga cara-a-cara a Sra. Morte. Ela, silenciosa e definitiva não costuma ser incompetente quando chega, e quando chega...Fim.
Enquanto ela não chega, sua aproximação é anunciada por um estrondoso silêncio que relativiza tudo mais: paternidade, matrimônio, filiação, irmandade, amizade, cidadania....tudo se despede de sua roupagem usual e adquire inéditas outras mais completas significações! Em verdade, os detalhes tornam-se gigantescos eventos a exemplo de cada inspiração, cada espirrar, cada piscar dos olhos...tudo é como se não houvesse sido mas sempre houve e eu não os percebi tanto. O pulsar do coração em sua maestria percebo-o agora tão lindo, tão lindo que enfeita de magia este pleno exato momento de existir de meu ser.
Quase sinto-me culpado por não ter percebido tantos detalhes antes, mas agora já não há mais tempo para sentimentos ruins, há de se usar o tempo com inteligência, eficiência, eficácia, em uma palavra: Amor.
Hei de rapidamente repensar e direcionar respostas às perguntas mais triviais:
Quem sou eu? Para onde vou? Quem meu coração escolheu amar? Quem eu escolhi admirar? Quem eu decidi cultivar, como aquela flor de O Pequeno Príncipe? Quem eu decidi perdoar? Quem eu escolhi ignorar? O que eu fiz de bom? O que eu fiz de ruim? O que eu decidi estudar com profundidade do intelecto e do coração? Que eu decidi modificar no mundo? Quais virtudes potencializei? Quais defeitos extingui ou atenuei? Qual o legado de valor (intangível e imaterial) eu deixei pros meus filhos? Qual, enfim, é a desconhecida história que vou deixar, não para os outros, mas para eu poder rememorar neste derradeiro momento? Será que Deus está orgulhoso por tudo que fiz, digo, em média? "Passei de ano na vida?", por assim dizer?
Ah, meu relógio Tissot, meu cordão de ouro, meu Macbook Pro, todas as minhas roupas de grife no armário e o meu lindo carro! Ah, que escultura móvel mais linda! Se nunca dei muita bola pra eles, muito menos agora conseguem dar significação a este anúncio tão definitivo. Pior! Nenhum deles me fez perceber que o tempo e energia e dinheiro gastos com eles não acrescentaram um grão de areia à minha ampulheta do tempo de que dispus sobre a face da Terra. Nada, zero, nula é a contribuição de cada um desses "bens". Nenhuma felicidade de verdade me trouxeram.
Sabe, queria poder o verbo poder mais um pouco. Não porque morrer é ruim, mas porque poder viver tem um gosto diferente agora. Mas por que só agora sinto-o diferente? Isso é triste :(

Toda essa reflexão é uma simulação mental.  Essa notícia do médico jamais ocorreu comigo. Fi-la hoje, em mente, e decidi por aqui para dividir com você. É uma provocação que fiz a mim mesmo e que agora convido-o a fazê-la por si: e se você tivesse somente mais 1 ano de vida, qual seria sua reação, qual seria sua ação?

Do meu lado, sigo confiante no cuidado de minha saúde. Não espero tanto que o mundo me compreenda; as pessoas sequer compreendem a si e vão esperar que eu as compreenda? Mudá-las? Eu?! Está difícil mudar-me, quiça mudar alguém! A ideia é muito mais: eu na minha, você na sua e nós na nossa em paz! Sempre em paz! Nada de novidade neste discurso mas que, de alguma forma, eu, teimoso, insistia em querer fazê-lo diferente gastando muito mais energia do que o necessário.  É isso: trata-se de escolher no que hei de gastar minha preciosa energia. Sigo,  assim, enfrentando as dificuldades da vida com novo ânimo, com novas perspectivas. Lembrando que eu posso morrer daqui há 1 ano mas que estou vivo e espero não morrer tão cedo!

terça-feira, 28 de junho de 2016

Sigamos em frente

Esse indesejável convidado, chamado insuficiência renal, é um cara mega exigente.
Andei afastado destas letras por longo período, muito (senão exclusivamente) por minha inabilidade de lidar com ele. A gente tem paciência, resiliência, fé!, mas a gente não tem sangue de barata! :)
Viver já está difícil o suficiente para uma vida com esbanjamento de saúde, some as dificuldades da falta dessa e você vislumbrará o meu cenário. Não, não....não se trata de autopiedade. Trata-se de enxergar as coisas como elas são. Quer entender o problema do outro?! Submeta-se a ele, integralmente. Só assim é possível igualar-se no enfrentamento dos desafios deste ou daquele modo.
Mas se tem esse cenário que ninguém deseja para si, por outro lado, a navegação da vida continua a seguir para todos e todos com a obrigação de bem navegá-la; e é isso que que tenho ainda tentado fazer.
Mudei de técnica(?) de hemodiálise. Antes usava um catéter (você pode ver aqui uma gravação de uma cirurgia de implante desse cateter: https://www.youtube.com/watch?v=5Y6ns9-Gu4o). Agora, faço a diálise pela fístula que tenho em meu punho esquerdo. As agulhas da sessão de diálise realmente são um incômodo - imagine uma agulha da espessura de um dente de um garfo-, mas é melhor assim pois, em relação ao catéter, evitam-se substancialmente os riscos de infecções.
Bom, sigo a rotina de visitar a clínica 3x na semana, na parte da manhã. Acordar 6am, 7am estar conectado à máquina até 11am e sair de lá umas 11.30am. Não é tão chato, mas não é tão bacana. Na verdade, não tem nada de bacana :) Aproveito para tentar ler um livro, estudar, ouvir uma música...mas o humor da circunstância nem sempre permite uma concentração suficiente para o avanço da atividade.
Incrível mesmo é passar por essas adversidades, chorar, ficar com raiva, sentir dor, ficar de mau humor, ter as discussões mentais com Deus e, após algum tempo, começar a enxergar as respostas que você tanto se faz....maravilhosamente a experiência vai te dando clareza e significado da construção de um ser humano mais observador, sereno, responsável, humilde....
Deus tem caminhos muito esquisitos pra me ensinar a viver melhor....mas eu tenho que admitir: não é que tem funcionado? Sigamos em frente na Escola da Vida :)


sábado, 7 de maio de 2016

Uma intrusa em minha vida (parte 1 de 3)

intruso
in.tru.so
adj (lat intrusu) 1 Que entrou ilegalmente, ou sem ser chamado. 2 Metediço, intrometido. 3 Estranho ao grêmio em que se encontra. 4 Introduzido sem direito em benefício, cargo ou dignidade, sociedade etc. sm 1 Indivíduo intruso. 2 Reg(Bahia) Nome vulgar do jaspe-cinzento. 3 Inform Pessoa sem autorização para usar um computador ou conectar-se a uma rede.
Fonte: michaelis.uol.com

Um dia, tudo no mundo estava estranho, torto, fosco. Difícil mesmo de acreditar, eu mesmo não acreditei, mas estava.
A alimentação tinha novo e pior sabor; os relacionamentos interpessoais estavam "barulhentos";  o ar, pesado. Tudo, absolutamente tudo, estava como jamais fora. Mas, incrivelmente, ainda não dava para eu ver o que acontecera.
Foi aí que tive de buscar uma especialista em análise de clima da vida, alguém de fora, que pudesse me explicar o que se passava naquelas condições climáticas dantes tão coloridas e frescas. Bem,  logo no início da consulta, ouvi a especialista falar olhando sobre meus ombros:
- Ei, sua tonta! Saia daí de trás e sente aqui ao lado dele!
Troquei as sobrancelhas de estranheza! Eu achava que eu estava sozinho no consultório com a especialista!
Subitamente, ele, ou melhor, ela apareceu: Era a intrusa na minha vida, uma velha conhecida da minha especialista.
Elas trocaram olhares, não muitas palavras - acho que ela é tímida!,- e por fim minha especialista passou a me dizer algumas orientações:


- Olha, Danilo, você tem companhia! E ela tem um nome....chama-se GESF.
- GESF?! Companhia?! Que história é essa? Eu não quero companhia, não conheço GESF nenhuma e nem convidei ninguém! - disse eu já irritado.
- Sim, sim, eu entendo. Mas essa companhia não é bem uma companhia, antes ela se parece mais uma intrusa. Uma intrusa teimosa, exigente, chata e....com um "quê" de ditadora. Tanto o é que ela se recusa a ir embora. Você me ouviu bem? Ela vai ficar com você...pra sempre!
Pára tudo! Eu ficaria na companhia, melhor, convivendo com essa intrometida pra sempre?! Tipo, sempre sempre? Até o meu último suspiro?
Pois é, eu não queria acreditar sequer aceitar.  Se viver com uma pessoa próxima chata algumas horas no trabalho, na escola, na faculdade, já é um "pé no saco", imagine ter de dividir a companhia de uma intrusa por to-dos os di-as que lhe res-tam so-bre a Ter-ra? Comassim, gente?!
Acordar, e ela lá.
Ir ao banheiro escovar os dentes, e ela lá.
Fazer xixi, e ela lá de pé assobiando.
Tomar café da manhã, à sua companhia com ela, aos berros, dando opiniões sobre seu gosto.
Ir conversar com um familiar, e ela firme e forte de pé dando pitacos.
Caminhar, para onde quer que seja, e...lá está ela te puxando pra trás.
Almoçar, e ela novamente com seu gosto incomum.
Fazer sexo, com ela de pé ao lado da cama te olhando e, muitas vezes, cantando no pé do seu ouvido.
Jantar, e novamente ter sua companhia impositiva quanto ao seu gosto.
Tomar banho, com ela do lado de fora do box.
Fazer número 2, com ela ansiosa para ver as suas fezes.
Ir para cama dormir, com ela ainda super animada e falante, a qualquer hora.
Finalmente, dormir e sonhar, e ela.....ela.....ela algumas vezes ir lá, bagunçar o meu sonho...
Pois é, ideia pareceu-me enlouquecedora e as vezes achei que isso pudesse acontecer: enlouquecer.
Mas eu tinha de ser mais forte, tinha de dar um jeito. Eu tinha, e eu consegui.

No próximo texto, a parte 2 de 3 da série: Uma intrusa na minha vida.


quinta-feira, 28 de abril de 2016

Transplante de rim não compatível é melhor do que ficar na fila de espera

Olá pessoal!
Novamente andei afastado destas teclas e peço desculpas. Trata-se da adaptação da vida com a hemodiálise e todos os cacarecos dos efeitos colaterais que a medicação traz. Ontem, por exemplo, tive uma crise de constipação. Pode até ter tom de "engraçado", mas quando se está passando por isso a última coisa que você consegue é rir :) Horrível, gente!  Mas vou como na música: "eu envergo, mas não quebro! Amanhã vai melhorar". (só que esse "amanhã", não é bem amanhãããã, saca? rsrsrs)

Conforme meu compromisso, segue um texto que trata sobre transplante renal entre pessoas não compatíveis. A psicóloga que acompanha meu processo de transplante me orientou essa matéria da Folha e eu tenho certeza de que você entenderá o que se precisa sobre o tema. Boa leitura e lembre-se: avise a seus parentes e amigos que você quer salvar uma vida! Doe órgãos! ;)



Seção: Equilíbrio e saúde
Transplante de rim não compatível é melhor do que ficar na fila de espera

MARIANA VERSOLATO
EDITORA-ADJUNTA DE "COTIDIANO"
14/03/2016 02h00

Faz cinco anos que a carioca Viviane Mann Rechtman, 55, vive com um terceiro rim, doado por seu marido, Felipe, 56. Com o transplante, as sessões diárias de diálise acabaram, a qualidade de vida melhorou e a vida seguiu.

A história deles seria igual a milhares de outras não fosse por algo que normalmente impediria esse final feliz: os dois eram incompatíveis.

Após algumas transfusões de sangue e três gestações, Viviane desenvolveu muitos anticorpos anti-HLA em resposta imune a essas células estrangeiras. HLA é, grosso modo, o sistema do corpo que classifica células como "próprias" ou "impróprias".

Os anticorpos anti-HLA de Viviane então atacariam e destruiriam um rim estranho -incluindo o de seu marido, como os exames apontaram.

Mas um procedimento relativamente novo, chamado dessensibilização, consegue filtrar o sangue, retirar os anticorpos "rebeldes" e permitir que o transplante seja feito mesmo nesses casos.

"A diálise me fazia muito mal, e eu tinha que fazer toda noite. Era dependente daquela máquina", conta ela, que passou pelos procedimentos -dessensibilização e depois transplante- no hospital Albert Einstein, em São Paulo. "Agora, tenho um novo rim que vale por três."

O relato de Viviane é corroborado por um novo estudo, publicado na prestigiosa revista médica "New England Journal of Medicine", que aponta que receber um rim de doador vivo e incompatível traz benefícios. É, inclusive, melhor do que ficar na fila à espera de um transplante de falecido compatível.

Infográfico: RIM NOVO - Órgão de uma pessoa 'incompatível' pode ser usado

Os pesquisadores comparam um grupo de pessoas que passaram pela dessensibilização e receberam um rim de doador vivo HLA-incompatível com outros dois grupos: pessoas que ficaram na fila de espera e receberam um rim de doador morto; e pessoas que também ficaram na fila, mas não receberam o órgão.

A sobrevida do primeiro grupo em comparação com o segundo foi 13,6% maior depois de oito anos. Em relação ao terceiro grupo, a sobrevida foi 36,6% maior.

VALE A PENA?

A ideia do estudo, segundo os autores, era avaliar se havia benefício em termos de sobrevida para compensar passar por todo o processo.

"Eles mostram que se você pega esse paciente, faz a dessensibilização, que é um procedimento muito pesado, e transplanta o rim, ele vai melhor do que quem fica aguardando", diz Alvaro Pacheco e Silva Filho, coordenador do programa de transplante renal do Einstein.

Se não fossem retirados, os anticorpos destruiriam rápido o rim transplantado, diz ele. "A dessensibilização muda totalmente a história."

PERFIL

No Einstein, cerca de 20 pacientes já passaram por esses procedimentos. Estima-se que entre 10% e 20% dos pacientes que precisam de um rim se encaixariam no programa por terem anticorpos contra a maioria da população, ou contra o único doador possível.

Mas, se o paciente não tem um doador vivo à mão, não faz sentido passar pela dessensibilização, já que o procedimento tem que ser seguido imediatamente pelo transplante e pode ser feito mesmo depois da operação, para que os anticorpos "rebeldes" não voltem a ser produzidos.

Silva Filho lembra ainda que a técnica de retirada dos anticorpos aumenta o risco de infecção e requer equipe especializada. Também custa caro -acima de R$ 50 mil.

Por todos esse motivos, é improvável pensar no procedimento como algo que possa reduzir significativamente a lista de espera por transplante renal, segundo os especialistas ouvidos.

Valter Duro Garcia, coordenador de transplantes da Santa Casa, afirma, porém, que os procedimentos para transplante incompatível poderiam ser introduzidos no SUS para casos de urgência, desde que de maneira organizada e considerando os custos e riscos.


Fonte: http://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/03/1749594-transplante-de-rim-nao-compativel-e-melhor-do-que-espera.shtml

sábado, 23 de abril de 2016

Transplante renal for dummies (para leigos)

Oi gente, como vocês têm estado? A tensão continua entre sai ou não sai a Dilma, entra o Temer, com Cunha, Renan e toda aquela turma. Incrivelmente, parece menos assustador falar sobre transplante de órgãos, não é mesmo? Portanto, vamos lá!

Mas atenção: tudo que falarei aqui hoje se aplica ao caso de doação renal de doador falecido, ok?


Bom, diferentemente da dinâmica de um transplante cardíaco ou de fígado, a doação renal não possui uma fila. Sim, não se trata de uma fila mas de uma lista. Explico:

Uma fila tem por premissa o atendimento por ordem de chegada. Assim, caso o candidato tenha a mesma tipagem sanguínea que o doador, o candidato que estiver a mais tempo na fila será o contemplado pelo órgão. Já no caso de uma lista, independentemente da ordem de chegada, o candidato a ser contemplado será o que tiver maior compatibilidade com o doador. Portanto, o candidato pode ter entrado no mesmo dia que em que o órgão seja disponibilizado e ser contemplado com a doação.

Mas....como se estabelece essa compatibilização?

Ela é complexa e leva em conta os seguintes fatores:

- A compatibilidade ABO;
- A priorização;
- A idade; e
- A compatibilidade HLA.

Primeiramente, a compatibilidade ABO é a compatibilidade de tipo sanguíneo sem levar em consideração o fator RH. Para entender melhor, veja o meu exemplo:

Eu tenho tipo sanguíneo B e fator RH negativo, logo sou candidato à recepção de doador tipo:

O (que é o doador universal) e
B (que é o mesmo tipo sanguíneo que o meu).
Reitero que independe o fator RH, e isso é uma ótima notícia, porque essa regra não é válida para doação e recepção sangüínea.

"Segundamente" (como diria Sr. Odorico Paraguaçu, prefeito de Sucupira - BA), o sistema leva em consideração a situação de o candidato não ter acesso a nenhum tipo de diálise. Esse favorecimento é chamado de priorização e é feito por solicitação da equipe médica responsável pelo transplante. Esse, possui validade de 30 dias podendo ser renovada.

Em terceiro lugar, há o fator idade. Tão mais novo, maior a expectativa de sobrevida, maior o "favorecimento". A regra é, em geral, assim, mas obviamente que não há doação de um rim de um adulto para um bebê.

Por fim, é feita a tipagem de fatores conhecidos como HLA (em português, Antígenos Leucocitários Humanos). Os fatores HLA são subdivididos em 6 itens de complexa organização e aí é que reside a parte mais difícil. Como esses itens podem ter muitas variações, a compatibilização entre doador e receptor quase sempre não é perfeita e é buscada ser a mais próxima possível.

E quem faz essa compatibilização toda?

O Ministério da Saúde gesta o SNT (Sistema Nacional de Transplante), um órgão exclusivamente voltado para a condução da temática de transplante de doadores falecidos no Brasil. Dentro do STN há o CTN (Cadastro Técnico Único) operado em sistema 100% informatizado, o SIG (Sistema Informatizado de Gerenciamento). Por sua vez, este CTN é composto pelos potenciais receptores brasileiros, natos ou naturalizados, ou estrangeiros residentes no Brasil, que é a lista a que me referi anteriormente.

Eu questionei o meu médico assistente quanto à seriedade deste Sistema, visto que é mais do que claro que um dos comércios mais absurdos e rentáveis do mundo é o de órgãos. Disse, então, ele:

- Danilo, você pode ficar 100% tranquilo porque eu conheço no detalhe a concepção dessa sistemática e é praticamente impossível ocorrer uma fraude.

Ufa! Tomara, não é gente?! Melhor acreditar nele do que viver com essa pulga atrás da orelha. Chega de absurdos nesse país.

Como se faz para se inscrever nessa lista?

O paciente é encaminhado por uma equipe de transplantes autorizada pelo Ministério da Saúde que irá representá-lo e inscrevê-lo. O SIG gerará automaticamente o RGCT (Registro Geral de Cadastro Técnico) e esta é "identidade" do candidato no sistema. Nada é nominal após este registro. Assim, o Sistema blinda os nomes dos pacientes de forma a trazer confidencialidade e não favorecimento durante toda a espera. Nova vinculação entre nome e RGCT só ocorrerá quando da compatibilização feita, automaticamente pelo SIG, e a partir daí começa a "correria" para fazer chegar o órgão ao receptor. Muitas vezes, após a compatibilização, a cirurgia ocorre em 24h!

Há fatores biológicos que dificultam o sucesso de transplante?

Sim. (1) Mulheres que já tenham engravidado, (2) pessoas que tenham sido submetidas a transfusão sanguínea e/ou (3) transplantes de órgãos possuem maior resistência orgânica à recepção do órgão. Isto porque um transplante tem íntima relação com o sistema imunológico do paciente. Funciona, em linguagem leiga, assim:

Um órgão é claramente um corpo estranho no organismo. Uma vez que nosso organismo identifica que há presente esse corpo estranho, nosso sistema imunológico começa a gerar defesas para rejeitá-lo. Para conter esse "ataque" é que o paciente precisa tomar remédios, tais como, imuno-supressores (supressores do sistema imunológico) para "abaixar a guarda do organismo". Assim, todo paciente que recebe um rim, invariavelmente deverá tomar imuno-supressores até a sua morte. O que é um ponto de extrema atenção, pois a diminuição da força do sistema imunológico coloca em risco aquele organismo que antes teria combatido naturalmente e facilmente uma "invasão". Como tudo na vida, há benefícios e malefícios no transplante.

Não é incomum ocorrer alguma rejeição nos primeiros dias pós transplante, mas a medicina atual está razoavelmente "confortável" com a condução dessa fase e obter sucessos. O problema, dizem os médicos, é quando o paciente sai do hospital. Nos primeiros anos a tensão é grande e o paciente fica atento aos cuidados pós transplante, contudo passa o tempo e o paciente...relaxa daí gera o gatilho que desenvolverá uma avalanche de efeitos que acumulados culminarão na rejeição do órgão pelo organismo. Já é comprovado que a maioria das rejeições dos órgãos acontece mais por fatores sociais e do que por fatores orgânicos. Portanto, ajude seus colegas, amigos, parentes na disciplina deste dia-dia pós-transplante. A tentação de comer mais um pouquinho, beber mais um copo, não tomar o remédio é grande mas ela é uma tentação que pode culminar com uma tragédia.

Ufa, escrevi pra caramba hoje! Mas julgo importante dividir com você minha experiência. Eu aprendi que mudar a vida de uma pessoa é mudar o mundo e eu continuo sonhador em querer mudar o mundo. Quem sabe eu mudo o seu :)

O próximo post deste blog será sobre o transplante de rins entre tipos sangüíneos diferentes.

Até lá!



quarta-feira, 20 de abril de 2016

R$ 18,00

"Então Sr. Danilo, para a próxima sessão de hemodiálise você pode comprar o esparadrapo especial tegaderm e o antibiótico XPTO em bisnaga que é uma pomada e trazer. Daí faremos seu curativo com seu próprio material."

Esta foi uma das orientações que ouvi na clínica particular em que faço hemodiálise na minha segunda sessão.

Pensei: Ah, deve haver algum engano. O material da clínica deve ter excepcionalmente acabado e esta orientação é algo provisório. Onde já se viu o paciente levar de casa para a clínica o material padrão para ser feito o curativo? Isso não acontece nem no SUS, certamente não acontece numa clínica particular.

É gente, mas eu me enganei. Enganei-me de achar que o material que me foi pedido é o padrão. Na verdade, não é. O que eu fiquei sabendo após questionar a administração da clínica é o seguinte:

O padrão, pago pelo plano, é esparadrapo comum e gaze. O antibiótico aplicado no local da cirurgia super indicado para evitar uma infecção que pode....pode me matar! é visto como "mera precaução" e, portanto, também não é pago pelo plano. Então, um cateter que se extende em torno de 50 cm dentro do meu corpo, com acesso onde? na minha jugular!  permitindo um acesso externo a todo tipo de bactéria, cuja uma pomada custam R$ 18,00 é vista como "mera precaução". Meu Deus! Me tira daqui! Quero dizer: do mundo! Dá ou não dá nojo desse sistema de saúde no Brasil?

Nossa saúde, pública e privada, está morta e não a enterramos ainda! Não por culpa dos profissionais da base da pirâmide, antes eles a ressuscitam todos os dias, mas ela é morta por quem está no topo.

Note! Note! Eu estava numa clínica particular! Ao meu ver, independentemente de ser SUS ou clínica particular os cuidados deveriam (sim, sim, sim! deveriam sim!) ser os mesmos! Meu Deus do céu...nós estamos falando da vida e da morte das pessoas. Estar doente é uma coisa já tão fragilizante que a gente só quer manter a dignidade....mas nem isso nós estamos tendo acesso. Quão degradante! Quão deprimente!

Eu sofro só de pensar no filho de alguém com 4 anos de idade, com falência renal como eu, mas que depende do Governo para poder sobreviver....quando estou no conforto da minha cadeira, na ótima clínica que me atende (mas que ainda assim) e que não me dá um simples antibiótico, eu fico enojado desta Administração Pública que nos conduz. Isso é crime o que estamos fazendo com as pessoas. Um crime cruel, silencioso e premeditado.

Sabe....pra finalizar....lembrei disso aqui, olha....


Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo, nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo e nosso estado que não é nação...
Celebrar a juventude sem escolas, as crianças mortas, celebrar nossa desunião...
Vamos celebrar Eros e Tanatos, Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza, vamos celebrar nossa vaidade 
Vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas, os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça, a ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos, o voto dos analfabetos
Comemorar a água podre, e os impostos, queimadas, mentiras e sequestros 
Nosso castelo de cartas marcadas (Brazilian House of Cards?), o trabalho escravo, nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação, todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias (Zika, Microcefalia, chikungunya?!), é a festa da torcida campeã...
Vamos celebrar a fome, não ter a quem ouvir, não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade, vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira, nosso passado de absurdos gloriosos (Guerra do Paraguai?!)
Tudo que é gratuito e feio, tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional, a lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade e comemorar a nossa solidão...
Vamos festejar a inveja, a intolerância, a incompreensão (terrorismo)
Vamos festejar a violência (meu querido Rio de Janeiro)
Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso (Cunha ainda lá?!)
Nosso descaso por educação
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera, nosso futuro recomeça

E esquecer a nossa gente que trabalhou a vida inteira e agora não tem mais direito a nada (Inflação, INSS, Varig, Petros1 falidos falidos!)
Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso, nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou (e certamente incluo-me) essa canção
Meu coração está com pressa quando a esperança está dispersa só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera, nosso futuro recomeça
Venha que o que vem é perfeição...

Saudades eternas Renato...







quinta-feira, 14 de abril de 2016

Transplante renal: o início

De forma bem objetiva, para quem tem, com eu, Glomérulo Nefrite Segmentar e Focal em nível 5, ou GESF, as opções de tratamento, via medicina ocidental, são: hemodiálise ou diálise peritonial e transplante (a depender da indicação). A conduta que me foi recomendada e tenho seguido é esta: hemodiálise e transplante.

De forma que comecei as consultas para falar do transplante. Meu médico é um gentleman: fala com infinita propriedade lastreado nos seus 31 anos de experiência no tema. Alcança mesmo explicações que eu sequer teria capacidade de questionar. Traz, de memória, estatísticas atualizadas sobre deficiência renal crônica pelo mundo e sinto-me um felizardo por tê-lo conhecido.

Entretanto, se por um lado essas consultas possuem um enorme volume de informações precisas e qualificadas, essa precisão e qualificação vem cheia de boas e...não tão boas notícias. Falemos resumidamente sobre elas.

Do ponto de vista do doador:
Os riscos da cirurgia de transplante são maiores para o doador do que para o receptor. O voluntário, além de me oferecer um órgão, escolhe se submeter a um pós operatório provavelmente um pouco doloroso.
A internação deste, após a cirurgia, é de uns 3 ou 4 dias e após 1 mês poderá retornar às sua atividades diárias.
Esteticamente o procedimento é um pouco deformante (por conta da cicatriz).
Por fim, o doador precisa estar ciente de que deverá ter mais cuidados com sua vida com somente um rim, ele precisará ficar mais atento, aliás ele só tem 1 agora.
É preciso muita coragem, viu?!

Já do ponto do meu ponto de vista, do receptor:
O rim novo não substituirá meus dois rins, mas eu terei um terceiro rim a ser colocado na região abdominal.
Os riscos da cirurgia de transplante são mais simples e gerenciáveis, do ponto de vista do procedimento.
O pós operatório é um pouco mais lento, devo esperar ficar internado entre 7 a 9 dias em UTI, para acompanhar o processo de aceitação ou rejeição do organismo quanto ao novo órgão.
Deverei tomar remédio imuno-supressores pra sempre, a fim de impedir uma rejeição posterior à fase hospitalar, e com isso submeter-me aos efeitos colaterais dessas drogas.
Por fim (eu poderia falar muito mais detalhes, mas reitero que a ideia aqui é informar de forma rápida e objetiva) a GESF, a doença original, pode acometer o rim transplantado. Você acredita?!



São muitas notícias, e muitas delas não muito animadoras. Essa última então...
Ontem, saí com um sentimento esquisito em minhas entranhas que posteriormente identifiquei como raiva. Dá raiva ver o homem fazendo tantas coisas maravilhosas com a tecnologia, mas ser muito limitado no caso da minha doença. Dá ódio, ver tanta corrupção de milhões e milhões de reais públicos usados para preencher contas de políticos e empresários corruptos, enquanto esse dinheiro poderia pagar profissionais aplicados às pesquisas científicas que poderiam nos devolver nossa saúde. Dá muita muita raiva desses políticos ao ponto de hoje eu ter acordado com uma leve febre!

Mas, precisamos seguir em frente, e nesses momentos nada melhor do que voltar aos fundamentos que norteiam fundamentalmente a minha vida: o Cristianismo.

Daí, segue um texto que li oportunamente ontem no Facebook de um amigo, Vítor Cruz, que acabou de perder seu querido pai. Permiti-me fazer umas adaptações e gostaria de dividir com vocês essas breves palavras que me reanimaram....lá vai!

"Se Deus é amor, por que existem coisas ruins?"
Na verdade, não existem coisas ruins. Ruins são as nossas temporárias interpretações sobre as coisas. Como nós iríamos evoluir moralmente se não houvesse os obstáculos a serem ultrapassados? Como construiríamos uma armadura moral melhor do que a nos reveste o espírito? O corpo e a vida são o veículo dessa construção.
É papel de cada um estar consciente para identificar suas próprias falhas, ouvir a vida dizer "constrói de novo, mas faça melhor! Senão derrubo outra vez até você aprender".
Demoremos pouco ou muito tempo para compreender, sempre há um propósito maior na dinâmica do desenrolar dos eventos. Nada é por acaso e nada é sem um caso maior do que o fato isolado em si. Sofrer por sofrer não faz sentido. Você acha que o ser que fez o Universo e tudo que nele há, com toda a sua harmonia, nos faria sofrer só por sofrer? Creio que não. Tudo me parece ser um meio, uma ponte entre um estágio x para um estágio y, este melhor.
Acontece que entender esse propósito requer uma maturidade moral grande, requer uma evolução mental e espiritual que certamente nenhum ser humano detém por completo, por isso Ele teve de vir e exemplarmente se submeter e nos explicar como se "joga esse jogo chamado Vida".

É, minha gente, como diz o ditado: não se faz bom marinheiro em mares tranquilos. Sigamos nossa navegação confiantes de que o porto seguro está ali na frente a nos aguardar.
Saúde a todos!

terça-feira, 12 de abril de 2016

Vida "normal"

Estive afastado destas teclas nestes últimos 3 dias...acho que quis curtir um pouco da liberdade de se estar fora do hospital e também pelo fato de estar física e mentalmente cansado. Mas eu passei quase 1 semana deitado, como poderia estar cansado? Exatamente por ter ficado tanto tempo deitado que os músculos ficam mais flácidos e subir um lance de 5 degraus quase se equivale a subir 5 andares de escadas de um prédio! Desafios, gente, desafios...mas a novidade boa mesmo é que tive alta o que me permite voltar à vida "normal". Normal? Vamos tentar entender melhor essa palavra no meu contexto...

Minha rotina agora compreende, além de resolver os problemas que todo mundo tem, em 3 sessões de hemodiálise por semana, cada uma delas a despender 5 horas do dia: 30 minutos para ir de casa até a clínica, 4 horas "ligado" à máquina e, finalmente, 30 minutos para voltar da clínica à casa. Sou felizardo porque vou de metrô! Tenho tentado me esforçar para achar que isso é normal.

Pode ter um tom de reclamação essas palavras, mas o que quero deixar claro é que não há nada de normal numa rotina dessas. A legislação entende que paciente renais crônicos submetidos à hemodiálise podem ter uma vida exatamente normal: trabalhar, ir rotineiramente aos médicos e fazer tudo que a vida adulta demanda. Gostaria de convidar o senhor legislador a fazer tudo isso durante 1 mês, com direito a todas as agulhadas, por favor! Gente, é praticamente impossível! Não se trata de comodismo, mas de ser inviável conciliar todos os compromissos em manter-se vivo - literalmente - com o enfrentamento do mercado de trabalho. Eu tenho enorme dificuldades e gastos e olha que tenho plano de saúde, quase sempre consigo uma carona para ir às tantas consultas a médicos de ponta e, como disse, uso o metrô para me locomover à clínica! Imagine um pai de família pobre, que more na Baixada Fluminense, tenha de fazer hemodiálise pelo SUS no Centro do Rio, vá de ônibus ônibus lotado e chacoalhando com seu cateter à sua jugular que não pode infeccionar de jeito nenhum, tenha ainda que conseguir tempo e energia para ganhar o pão de cada dia como ajudante de pedreiro? Você acha que este homem pode virar para o empreiteiro e dizer:
- Seu Fulano, agora eu chegarei 3x na semana às 2 da tarde porque tenho que ir à hemodiálise, tá bom?
Ah, não gaste minha já pouca paciência com argumentos desse nível!

Sou ciente de que há inúmeros desvios corruptos no sistema de previdência e assistência social deste país. Os "benefícios" deste sistema, são direitos a serem usufruídos pelos cidadãos que se encontram em situações especiais em circunstâncias específicas. Antes de serem um assistencialismo pago pelos cofres públicos, são montantes depositados por empregadores e empregados quando de seu exercício em plena saúde, via de regra, e que, por razões especialíssimas podem e devem ser gozados para ajudar no enfrentamento do pagamento das responsabilidades da vida que não param! É por isso que quero anunciar neste momento que aqueles pacientes renais crônicos que, como eu, contribuíram por anos e anos à previdência e assistência social e que agora precisam de orientação para gozarem deste direito podem me procurar que eu encaminharei aos advogados amigos e conhecidos meus e lutarei para que eles tenham toda uma assistência diferenciada e que consigam seu auxílio-doença!

Por enquanto, sigamos aos trancos e barrancos com nossas rotinas mas não esqueçamos de manter o sorriso no rosto e a profunda fé e esperança de que um dia teremos nossa saúde de volta com o sucesso do procedimento de transplante ou a miraculosa e inexplicável cura advinda de Deus.



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Cada toque especial

Sei que somos uma espécie forte. Nós estamos no topo da escala alimentar, ora!
Tenho 34 anos, 83Kg e 1,80m. Pegava 100 Kg no supino e quase 30kg no bíceps! Mas eu nunca, jamais me senti tão frágil,  tão falível,  tão dependente quanto nesses 5 últimos dias.

Dói na área da cirurgia do cateter,  dói incisão da fístula,  dói as costas de ficar tanto tempo deitado, dói nas 365 coletas de sangue e 1.999 furadinhas na ponta do dedo para medir minha glicose, dói ficar longe dos meus pequenininhos. Dói tudo, como dói!

Disse o maior Mestre da humanidade que "a carne é fraca mas o espírito, forte." E nesses dias eu entendi que a fortaleza do espírito também é construída...

Com a delicadeza do técnico de enfermagem que troca os curativos;
Com a motivação da enfermeira que monitora meus sinais vitais;
Com a mão que apóia e orienta da fisioterapeuta;
Com o sorriso da técnica do laboratório de coleta de sangue às 3am;
Com a calorosa conversa do médico plantonista na hora do meu choro assutado diante, pela primeira vez, da máquina de hemodiálise;
Com a recepção de mensagens e mais mensagens de familiares, amigos próximos e outros que voltaram a se aproximar;
Com a visita do meu pai;
Com a visita do meu sogro que trouxe meus filhos;
Com as sempre presentes mãos extendidas da minha mulher...



Sabe, pensando bem, eu acho que eu sou mais forte do que eu pensava. Porque estou desconfiado de que Ele usa vocês para me fortalecer!

Muito obrigado por tudo que vocês têm feito! Vocês também são a minha fortaleza!

Ah, quase esqueci de dizer: acabei de ter alta. Fase 1 completa! Que venham as demais!

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Comparações sadias

Ontem, terça-feira, fui dar um passeio, caminhar pelo corredor do hospital com a fisioterapeuta. Estava animado já que estava deitado praticamente desde domingo. Esse passeio, foi...hm...um descobrimento.



Sabe aquela senhora que estava aqui do lado do meu quarto gritando? Faleceu; o paciente do quarto seguinte está em coma e entubado; uma outra mulher também está em coma e entubada; a quarta pessoa eu confesso que nem quis olhar para que ninguém me "xingasse" como eu quis xingar quando estava à caminho da sala de operação (subtamente também sofri do mal do curioso :/, "queimei" minha língua).

Durante essa madrugada, observei a movimentação da chegada de mais 2 pacientes na "minha" UTI que estão desacordadas, sendo que uma está prestes a falecer. Em resumo: isso aqui é um show de horrores!

Mas de alguma forma todo esse horror tem um...digamos...lado positivo. Gente, perto dessa galera eu estou ótimo: falo, vejo,  vou ao banheiro (acompanhado), mas só o fato de não ter que usar fraldas ou ter de usar a comadre para evacuar ou ainda não ter alguém  que tenha que me dar banho sobre o leito e eu ter o privilégio de poder, sozinho, limpar minhas "partes baixas" já é sensacional! Perder essas pequenas coisas, que admitimos como triviais no dia-dia, são extremamente degradáveis e eu, neste estado, quase me permito sentir-me como quem diz "uhuuuu,  bora dar uma corridinha!".

Montaigne dizia que "o mal do homem é que ele se compara". Eu acho que Montaigne nunca ficou internado na minha situação, porque do contrário ele não falaria uma besteira dessas. Comparar-me tem sido reconfortante e eu não me sinto tão culpado por isso. Não que eu dê graças a Deus pela desgraças dos outros, mas dou graças a Deus pelo tamanho da minha graça! Já ensinava  a sabedoria popular, desde o tempo na minha avó, que  "não há mal que não possa piorar". Isso é uma verdade a ser lembrada por todos nós! Não quero dizer que devamos nos conformar, nos confortar e deixar de lutar por uma melhora em nossas vidas, absolutamente nao é isso! Proponho sim que devamos olhar as possibilidades intrínsecas à nossa situação e despertarmos forças adormecidas em nós ao olharmos para o lado, já que estas forças estão latentemente indisponíveis aos nossos "vizinhos de quarto".

Percebi mesmo que, nesta vida, estamos todos, de alguma forma, "internados". Pode ser nos hospitais, pode ser fora deles. Estamos todos a enfrentar nossas limitações, nossas "cirurgias" cotidianas e precisamos de encontrar forças para melhorarmos. Façamos isso pelos que nos amam, façamos isso por nós mesmos. Peço a Deus que tenhamos a sabedoria de enfrentar nossas "internações" com inteligência, nem que usemos para isso alguma comparação com paciente do quarto ao lado.

Tenha um bom dia, uma boa "recuperação" e saúde!

terça-feira, 5 de abril de 2016

Pequenos grandes milagres

Segunda-feira,  4-4-2016, 7.20pm. Entra o médico cirurgião-vascular, um homem super educado e super experiente que gentilmente me explica os próximos eventos que antecedem a operação; ele ainda me apresenta ao médico-anestesista, um jovem médico sério, muito seguro do que diz e atencioso. Tomo um dormonid, um sedativo inicial, via oral. Mas não tem jeito: a tensão aumenta. É natural.

Estou acompanhado pela minha mulher no dia-dia do hospital e ela me oferece enorme suporte emocional e mesmo ajuda física imprescindíveis para meu bem-estar. Entretanto, como estou na UTI, o trânsito de outras pessoas, inclusive familiares bem próximos como meu pai, minha irmã, fica, infelizmente, muito dificultado. Mas eles estão sempre em contato comigo.

Terminávamos uma oração, quando entra o maqueiro para me levar para o centro cirúrgico. Tira fios, coloca outros fios ligados a meu corpo. Sigo deitado na maca olhando as luzes fluorescentes passarem no teto uma a uma, como numa cena de filme quando a câmera está virada para cima, sabe? Vira pra lá, vira pra cá,  entra no elevador,  sai do elevador sempre sendo objeto dos olhares dos curiosos no hospital. Da vontade de falar: - Ei, eu estou de verde?! Brincadeira hein, mas as pessoas realmente não são discretas.

Chegamos à sala de cirurgia, um ambiente mega high-tech! Aquele lugar sim é digno de um ser de filme, quando a alma da pessoa fica "voando" vendo a cirurgia acontecer lá embaixo e lá no cantinho do teto, tem aquela luz branca brilhante e uma voz falando Daaaaaaaniiiiiilooooooooo Rsrs A gente morre mas se diverte, né gente?! Rsrs Mas não se preocupe, estou escrevendo da Terra mesmo  :)


Sou passado da maca para a mesa de operação e, também, com a ajuda cortês de algumas pessoas e do médico-anestesista, estico o braço sobre um apoio. O dormonid ainda não fez nenhum efeito e daí chega o médico-anestesista com um papo meio lá-lá-lá e carregando uma seringa. Penso: Danilo, logging off em 3, 2,...
Durante o 2 o teto começa a ficar meio "mole" e eu gargalho: "-Hahaha, eu tô muito doido!!!". Se falei alguma besteira depois disso eu não sei, mas que essa sensação traz um misto de excitação e receio, traz sim! Os caras tiram a gente da tomada!

Deus é muito meu amigo. Jesus também. E parece que alguém da "Administração Lá de Cima" tem escutado as orações e pedidos de todos vocês! Explico-me:
O que deveria durar 1h30min, durou pouco
menos de 5h. Isto porque minha veia deveria ser "assim" e não "assado" (os médicos até me explicaram, mas seria muito técnico discorrer sobre esse detalhe aqui; esse texto tem que ser vapt-vupt). O cirurgião, que é um médico mega experiente, teve um desafio durante o procedimento. Surgiu mesmo a possibilidade de haver uma nova cirurgia em novo local. Essa foi uma das primeiras notícias que tive após retomar a minha contagem mas quando contei o 1 já na UTI de volta. Imagina o frio na barriga!

Digo que Deus é meu amigo porque já pude observar que, quando aceito a situação de coração,  sem revolta, algo de muito bom acontece. Eu ouvi a notícia da possibilidade da nova cirurgia com muita resignação. A gente fica tentando controlar uma série de coisas que a gente não tem controle algum! Na verdade, o que nós controlamos? Ainda não tenho uma plena opinião sobre eu poder tudo, convicto sou Dele poder! Já pude lembrar aqui nestas linhas a seguinte reflexão: qual é mesmo o seu mérito de poder...enxergar, ouvir, falar?! Nenhum! Isso é uma dádiva e, normalmente, não a paramos pra pensar nela. Sequer agradecer agradecemos.

Pois eu aceitei de coração aberto a possibilidade da nova cirurgia e o que aconteceu?  O cirurgião vascular reviu a sua decisão.  Disse que estava ok e que a cirurgia fora um sucesso! Ele deu um sorriso tão honesto que me emocionou. Um pequeno grande milagre se realizara. Terminamos nossa consulta com dizer um simultaneo: Graças a Deus!







segunda-feira, 4 de abril de 2016

Terceira internação

São 7.19am. Do meu lado, um aparelho que mede minha pressão apita tã-nã-nã sem cessar: 99/59 desde 5am; às 3am veio uma simpática moça (só ela estava simpática,  eu...acho que nem tanto rs tadinha) coletar sangue no meu antebraço direito na parte superior (Oi?! Superior? Tem que ser ali porque o acesso na parte interior do braço direito já está com um acesso venoso e o braço esquerdo deve ser preservado para o recebimento da fístula; a noite inteira (in-tei-ra!) uma senhora gritou no "quarto" do lado ao do meu. Segundo a enfermagem, trata-se de uma senhora com problemas psiquiátricos que fora abandonada pela família.  Onde estou? Na UTI do Copa Dor.

Ah, esqueci de dizer e acho que é porque não quero acreditar, mas já já virá alguém retirar amostra com um cotonete estéril nas minhas narinas, minha boca e do ânus Puuuuutz!  Nunca tinha ouvido falar nisso! Isso é tenso, gente!

Show de horrores?! Claro que não! rsrsrs Não é meu quarto na minha casa mas estou levando tudo numa boa. Queria agradecer a todos pelas mensagens carinhosas de desejo de sucesso por aqui. Obrigado mesmo.

Sigo internado para realizar o procedimento de instalação (é assim que se fala?) da fistula, que é a preparação da artéria e da veia que serao a conexão com o equipamento de hemodiálise. Frio na barriga de ansiedade.

Em estado de oração constante, sigo aprendendo com minhas reflexões internas. Interessante como a gente pega um limãozinho e faz uma baita limonada nos eventos da nossa vida!



Que Deus nos abençoe! Boa semana a todos!


domingo, 3 de abril de 2016

Não existe almoço grátis!


Não existe almoço grátis, tudo tem um "preço". Se uma pessoa saudável deveria se ocupar em cuidar de seu corpo, um paciente crônico tem a obrigação de fazê-lo. O seu corpo já está fragilizado e irá potencializar, mais cedo ou mais tarde, os efeitos de suas atitudes. Para nós doentes as consequências vêm inexoravelmente mais cedo.

Mas eu preciso ser franco com você: chegou num momento que eu simplesmente "chutei o balde". Parei a medicação. Parei a dieta. Cansei daquela extenuante rotina de atenção a todos os detalhes da medicação, à contagem de gramas de proteínas que eu ingeria, à medição de porções de arroz, de feijão, de batata, de tudo... Mas que saco! Então eu decidi ignorar que eu tinha um problema renal crônico. Eu estava deprimido demais com aqueles efeitos colaterais e sentia que precisava "voltar a viver novamente"!

Fui à minha médica assistente e a comuniquei asperamente:
- Dra., a sra. é muito atenciosa e competente, gosto da sra. de verdade, mas a partir de hoje não tomarei mais o corticoide. E quanto à dieta, eu preciso voltar a ter prazer de me alimentar. Eu não aguento mais.

Certamente ela conhece pacientes revoltados, e eu creio não ter sido o primeiro em seu consultório. Ela pacientemente me ouviu e explicou que se assim fosse, eu deveria fazer uma transição: ir diminuindo progressivamente a ingestão da droga até "zerar". Alertou-me para um efeito rebote que o corpo poderia ter no caso de uma interrupção repentina - o nosso corpo habitua-se à alta dosagem da droga, sabia disso? E quanto à dieta, disse que eu não deveria me afastar de forma tão agressiva. Meu corpo não estava preparado para um dia-dia "normal". Era preciso cautela.

Como disse, sou réu confesso e eu estava deprimido demais para ter uma alimentação como aquela. Voltei a comer prazerosamente comida "normal" (já que continuo vegetariano). Ah, o sal! Que prazer é comer uma comida tradicionalmente salgada! Parece piada, mas comer comida sem sal é como ter um computador sem internet rsrs :)

Foi assim que voltei a ter o corpo "normal" esteticamente. A osteoporose e as dores no corpo foram diminuindo, o inchaço facial foi desaparecendo, as acnes sumiram de vez. Demorou uns 7 a 8 meses para isso tudo acontecer. E graças a Deus eu retomei, além do que já disse, a minha auto-estima e, com ela, a retomada de uma vida social. Voltei a trabalhar e a retomar a condução de minha vida profissional; e finalmente conheci uma companheira, uma parceira, uma mulher por quem me apaixonei e que hoje me dá uma vida emocionalmente plena junto de nossos filhos. Sim, a família é o início, a base de tudo.



Sabe, no dia de hoje, estou convicto que foi uma decisão importante eu ter dado uma "pausa" naquela forma de tratamento. Eu não estava me sentindo saudável, pelo contrário, sentia que a vida se esvaia de mim e eu mesmo não me reconhecia mais. Por outro lado, como eu disse lá no início, não existe almoço grátis e o preço que eu teria de pagar seria a doença evoluir mais rapidamente, meus rins começarem a parar e, com isso, a hemodiálise acontecer mais cedo do que eu e médica esperávamos.

sábado, 2 de abril de 2016

Desconstruções construtivas

A vida contemporânea nos imprime um ritmo, muitas vezes tão alucinante que nós podemos mesmo perder a essência de quem nós somos. Sei que desde o início da História, até onde se tem registros, o homem tem se perguntado o que ele vem fazer por aqui...mas você já parou para se perguntar o que você está fazendo por aqui?

Alguns simples questionamentos que eu deixei de me fazer:
Faz sentido trabalhar 12 horas por dia e literalmente entregar a sua saúde?
Faz sentido ser rico para...poder comprar o que você quiser?
Faz sentido malhar, malhar, malhar e ficar bonito para se transformar num "objeto" a ser contemplado?

Eu não estou aqui para apontar os defeitos de ninguém, mas tão somente apontar os meus e os aprendizados que esta minha doença me trouxe.

Eu tive de ficar cronicamente doente para literalmente parar tudo e perceber que muito do que eu fazia simplesmente não fazia sentido algum. Eu vivia num automatismo de escolhas impensadas.

Antes de tudo isso acontecer na minha vida, eu era uma pessoa afastada da minha família; afastada dos relacionamentos mais simples e mais importantes; afastada dos significados dos acontecimentos da minha vida; afastada de Deus.

Não fazia sentido eu trabalhar até 2 da manhã reiteradas vezes enquanto minha filha me aguardava em casa ainda bebê.
Não fazia sentido eu querer ser rico, enquanto eu não preciso comprar tudo o que queria. É muito mais fácil viver com pouco de uma forma que eu jamais pude pensar.
Não fazia sentido eu malhar, malhar, malhar para transformar meu corpo numa maçaroca de músculos para... para o quê mesmo?

Sabe, hoje eu tenho certeza de que absolutamente nada é por acaso mesmo. Que Deus é tão tão tão inteligente que faz acontecer desconstruções nas nossas vidas para que possamos, junto Dele, construirmos uma base, uma fundação de um edifício da vida muito mais alto do que podíamos imaginar. Que nada que possamos encontrar no dia-dia material é suficiente para preencher essa necessidade de dar sentido à vida, essa inata necessidade de responder à grande questão "o que eu estou fazendo aqui?".

Minha mãe, como disse anteriormente, teve câncer. Ela faleceu por conta desta doença. O trajeto de seu tratamento teve singular significado também na vida dela. Nós conversávamos muito, sabe? Ficamos doentes na mesma época. Os ciclos das doenças aconteceram de forma razoavelmente simultânea: negação, revolta, reflexão, aprendizado, aceitação. No final, ela havia entendido o sentido de tudo aquilo. Nós pudemos observar que durante muito tempo das nossas vidas, estivemos entregues a preocupações que são só ocupações superficiais e mesmo simples demais para nos ocuparmos. A nossa ficha "caiu"! (E eu honestamente e respeitosamente não sei se você entende a profundidade dessa minha última sentença: a nossa ficha "caiu").

O que paramos para perceber? Por exemplo, tenho certeza que poucas pessoas pensam nisso no seu dia-dia mas você percebeu que hoje:
1) você acordou?
2) você respira?
3) você enxerga?
4) você sente cheiros?
5) você se locomove?
6) você vai ao banheiro urinar ou evacuar normalmente?
7) você não vomita "do nada"?
8) você digere sua comida?
9) você sente gostos?
10) você tem rins em perfeito funcionamento?

Meu amigo, minha amiga, meu parceiro de vida...não se apresse em enxergar todas essas aptidões como óbvias porque elas não são! Que mérito tem você ao desfrutar de cada uma delas? É o acaso? Duvido!
Elas só são óbvias se você se permitir entorpecer pelo dia-dia de propagandas e problemas que, no fundo no fundo, não são problemas de verdade. Não quero com isso dizer  que a vida tenha de ser um oba-oba, sem progresso ou sem conquistas. Não! Quero é dizer que antes de se preocupar com qualquer coisa, você pode, como eu não o fiz durante quase toda a minha existência até os 33 anos, ao acordar poder agradecer a Deus por ter cada uma dessas aptidões "de graça", por ter a oportunidade de ter saúde.

Repito: o que hoje você tem, amanhã, ou melhor, à tarde você não sabe se tem. O que Deus dá, Deus tira. Por favor, aprenda com o meu erro, com o erro da minha mãe: pare para pensar, antes que Ele o faça parar. São essas as desconstruções construtivas da vida.



Em 1 dia, eu entrarei numa cirurgia para preparar meu braço para o processo de hemodiálise. Serão 3 seções por semana, cada uma de 4 horas. Depois de muito refletir, vejo que Ele me "parou" porque eu realmente precisava aprender com o que de fato tem valor. Graças a Deus eu sou deficiente renal, e que Ele me dê uma segunda chance de repensar a minha vida. Estou fazendo a minha parte, e você?


quinta-feira, 31 de março de 2016

Tropeços e significados

Ontem foi um dia especial. Quando comecei estes pequenos textos, comecei com uma expectativa modesta de contribuir com um público muito específico: o de pacientes renais. Desde então, a audiência média do blog foi de 100 a 150 leitores diários, o que já seria mais do que suficiente a me motivar a continuar. Ontem houve quase 600 acessos! Esse alcance traz um significado especial a esse meu trabalho e é sobre significados que gostaria de dividir minha experiência com vocês hoje.


Na fase do "desfruto" dos efeitos colaterais eu me retirei do mundo, fazia somente o mínimo do mínimo fora de casa. Francamente não havia força física nem força emocional pra enfrentar a vida. Sim, porque viver também (note: também!) tem um significado de enfrentamento. Enfrentamento dos tropeços, das dificuldades, das limitações. Veja o meu caso: andar tornara-se uma tarefa dolorosa e cansativa (lembra-se que eu havia perdido massa óssea?). A ação de ficar de pé já me cansava! Mas aquilo tudo deveria ter um significado, não deveria? Para mim não há nada que aconteça sem um propósito e eu precisava encontrar o meu.


Uma vez fui ao Barra Shopping almoçar, eu morava no Recreio. Comi num restaurante de comida natural na extremidade do shopping e decidi ir andando até uma livraria na outra. Essa caminhada foi uma verdadeira maratona! Chegando nessa livraria sentei-me ofegante e não podia acreditar naquilo! Eu estava literalmente ensopado de suor e ofegante como se tivesse corrido 20km sob o Sol do meio-dia! A sola dos pés estavam pegando fogo! Juro, parecia que eu pisava em brasas! Demorei uns 20 minutos sentado, observador de minha própria decadência. Pensei mesmo em pedir socorro e usar aquele carrinho que os idosos usam. Que corpo era aquele, meu Deus?!


Após muito refletir, perguntei-me se será mesmo necessário, imprescindível, que nós humanos, precisemos passar pela situação "do outro", sustentar o "peso" por que passa o outro para compreender e respeitá-lo da devida forma? Não me considerava um cara "desrespeitoso", mas vi que ainda me faltava muito para compreender mais profundamente "o outro". Dizem que se não aprendemos os verdadeiros significados da Vida pelo amor, aprendemos pela dor. Eu aprendi um monte deles pela dor:


Aprendi a respeitar infinitamente mais o idoso, será que ele tem osteoporose?
Aprendi a respeitar o obeso, será que ele tem algum problema glandular ou de ansiedade?
Aprendi a respeitar o mendigo, será que ele teve as oportunidades que eu tive?
Aprendi a respeitar e me afastar do "nervosinho", será que ele está imerso em dívidas? Aprendi a respeitar o aparentemente normal, será que ele tem problemas renais? Será que ele tem câncer?
Aprendi a respeitar o meu corpo, sem beber demais, sem comer demais, sem malhar demais, sem pensar bobagens demais!
(...)


Em verdade, ninguém deveria julgar ninguém. Cada um tem um calo que lhe dói o suficiente para lhe trazer os significados que lhe são necessários para que essa pessoa se torne um ser mais humano e menos desumano nessa existência. A pressa em concluir alguma coisa sobre "o outro" nos coloca em risco de...errar. E errar pode trazer um...preço. Porque sabe de uma coisa? Hoje você tem saúde, está imerso em questões superficiais da existência e amanhã....acorda doente! É inegociável! Deus queira que não, mas que ninguém refute a ideia de que nosso corpo é frágil e que somos falíveis. Por favor, por você mesmo e pelos seus amados, seja mais responsável consigo. Sempre dá para fazer mais um pouquinho. As pessoas podem até ignorar, enganar-se a si. Mas esse dia pode chegar e aí é que começa a escola dos significados pela via mais difícil. Do contrário você se torna uma pessoa amarga, revoltada, sem fé. Que cada um consiga encontrar os significados das suas dificuldades. Eu encontrei enormes significados com a minha deficiência renal, espero profundamente que você encontre os seus...pelo amor.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Efeitos colaterais

"Isso também passa." Costumava dizer o velho Chico Xavier referindo-se às bonanças e às tempestades. No final, tudo irá passar. Mas, numa boa, em certas tempestades a navegação "dói", não "dói"? Pois é....doeu pra caramba essa fase.
Eu já tive a oportunidade de dizer que o corticoide é a coisa que mais detesto sobre a face da Terra. Neste post, em uma imagem, irei explicar o porquê.


Este sou eu após quase 1 ano de intensa dose de corticoide. Não me venha dizer que o problema sou eu e que eu sou vaidoso, porque não se trata somente de um inchaço facial. Trata-se ainda de:
- acnes (espinhas) mil pela face e nas minhas costas;
- perda de massa óssea, ao ponto de eu não conseguir segurar minha filha no colo;
- dores nas solas dos pés, muuuuuitas dores porque eu não tinha mais tônus no esqueleto que segurasse meu peso;
- cansaço extremo, ao ponto de eu ter de dormir às 7pm e acordar às 8pm para continuar meu dia.;

Além desses que listei acima, há os efeitos sociais. Meus amigos não me reconheciam nas ruas. Eu os assustava quando dizia "Oi Fulano, sou eu, Danilo."

Permita-me o desabafo agora: tomar corticoides é uma merda!

Por outro lado, pude perceber que quem gosta de mim, quem se preocupa comigo de verdade não se afastou. Não fez chacota da minha situação. Não se apegou às superficialidades. Pelo contrário, me abraçou e ajudou-me a me reerguer e a devolver o meu corpo o mais próximo da normalidade possível. Hoje estou assim...


Fica portanto um especial agradecimento a quem sempre esteve comigo.
Sabe aquela história de que a nossa essência não muda? Então, ela é verdade! E eu  aprendi de verdade que "o essencial é invisível aos olhos".

terça-feira, 29 de março de 2016

RivoTrip

O último post foi meio bad-vibe. Eu sei. Mas a ideia aqui não é enganar ninguém. Nós, pacientes renais crônicos, temos momentos de bad-vibe com nossa doença. O que não quer dizer que somos pessoas "pra baixo". Pelo contrário, posso dizer que eu tento tirar sarro de algumas situações. Como essa que agora vou contar pra você:
A alimentação foi sendo estabilizada e junto dela a fase da euforia também até o ponto que subitamente fiquei...cansado. Cansado demais. Exausto de tal forma que não conseguia dormir. Minha mente "não parava"! Sabe quando você chega em casa tão cansado, tão morto que sequer consegue fechar os olhos porque eles ficam tremendo? Então, é mais ou menos por aí....
Só que, como os efeitos da exaustão foram ficando cada vez mais intensos, eu tive de procurar minha médica novamente. Foi aí que tchan-tchan-tchan-tchan....ela me receitou o Rivotril. Remédio que passei a chamar de "pílula da felicidade" (olha essa imagem que eu achei na internet, eu nem sabia que plagiava! rsrs) A despeito de eu o tomar em dose muito pequena, ela foi o suficiente para eu dormir como uma criança que chega "morta" após um dia inteiro no parque de diversões. Passei a amar o remédio! Mas ATENÇÃO: estou a relatar a minha experiência com um medicamento prescrito por uma médica. Não quero lhe incentivar a automedicar-se ou fazer uso recreativo da droga. Seu uso é arriscado se não for controlado e pode causar dependência. Portanto, seja responsável! 
Bom, voltando ao Rivotril, eu dizia para mim mesmo que iria fazer uma RivoTrip (trip de viagem, em inglês). Eu o tomava uns 20 minutos antes de deitar na cama e a certa altura começava a sentir-me meio que dormente. Francamente não sei se era auto-sugestão mas o fato é que eu assim me sentia e ia deitando na cama já meio grogue e com um leve sorriso no rosto, curtindo uma "onda". A gente viaja na nossa intimidade, não é mesmo? Mas quem nunca fez essas coisas meio "wow" que atire a primeira pedra! De forma que quando eu dava por mim já era de manhazinha novamente e eu, finalmente, havia feito minha RivoTrip e desembarcava na Terra novamente.
Pode parecer caricata ou até engraçada a cena, mas essas são fases complicadas para um paciente. Observando tudo "de longe" como agora faço, concluo que eu estava em momentos muito singulares, diferentes do meu modus operandi normal no dia-dia. Soma-se a isso tudo ao fato de eu estar sozinho à época. Recém divorciado, não namorava, não saía de casa, e quando saia, ia na casa dos meus pais visitar minha enferma mãe, hoje já falecida.
Reitero que conto esses detalhes de minha intimidade, não para satisfazer a curiosidade superficial das pessoas, mas antes para tentar auxiliar num aperfeioamento do entendimento de um mundo de pessoas que são objeto da doença renal ou daqueles que amam quem a tenha. Você não acha que alguém no interior do Brasil, longe de uma rede de relacionamentos, não precisaria conhecer mais sobre esse tema? Estou convicto que sim! Eu soube, e vou confirmar para você essa informação qualquer dia desses, que quase 20% da população brasileira é deficiente renal crônica. Imagine você: quase 50 milhões de pessoas! :o
Para finalizar, aprendi que não poderia ficar dependendo de um remédio pra continuar a vida. Não este, já que tenho de controlar a pressão para sempre com remédios. Aprendi que, depois da crise, eu deveria retomar as rédeas do meu sono e foi o que fiz. Mas, deixe-me confessar, a fase das RivoTrips não foram tão ruins assim... rsrsrs

segunda-feira, 28 de março de 2016

Dieta

Simultaneamente às primeiras consultas com a nefrologista, fui a uma nutricionista indicada pela minha irmã. Ela era, até onde sabíamos, a melhor especialista em nutrição de pacientes renais crônicos e deveria ser escutada. Lembro-me bem da consulta: eram 2 tangerinas no máximo durante a semana. 3 maças também como máximo semanal. 2 ovos por dia. 2 porções de arroz por dia. 1/4 de concha de feijão por dia. 14 uvas por semana. Coisas assim, tintin-por-tintin.
Como eu ainda estava  na fase da euforia, achei tudo uma maravilha e super fácil de fazer. Um engano tremendo! Depois de pouco mais de 1 mês, comecei a sentir medo de comer. Descobri que 99,99% do que se vende é, em verdade, veneno. Um veneno até mesmo para um ser humano saudável, quiça eu, não saudável!  A gente fica neurótico! Eu só via que minha alimentação era "descolorida", insossa, sem graça, deprimente. Deus que me perdoe! Minha irmã a preparava com o maior amor do mundo mas a repetição das mesmas coisas sempre, a ultra-disciplina de andar com um papelzinho com tudo o que havia comido, o medo de piorar minha condição renal, vai te enjoando, enjoando, ao ponto de eu sequer conseguir comer. Sentia fome mas não comia nada.
Foi assim que inaugurei então a fase da abstenção de comida. Na minha cabeça, se eu não comesse, pelo menos não agrediria ainda mais meus rins porque não teria tanta toxina alimentar para filtrar. Passei a não comer quase nada.
De 94 Kg, que tinha no início do tratamento, fui para 72 Kg e isso passou a ser fonte de preocupação para minha médica e minha nutricionista. Fui orientado a tomar um complemento de gosto de cobre horroroso que me fazia vomitar. Eu o tomava às lágrimas, sozinho.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Amputações em minha vida

Já com os resultados dos exames que o primeiro médico havia me pedido, e mesmo antes da chegada do resultado da biópsia, minha médica assistente decidiu começar um tratamento intensivo contra a doença. Foi aí que conheci a coisa que mais odeio até hoje: corticoide. A ideia é a seguinte: dado um provável diagnóstico de uma doença auto-imune grave (grosso modo: uma doença que é o corpo contra o próprio corpo), seria arriscado demais esperar o resultado da biópsia para um diagnóstico quase "líquido e certo". Esta foi a avaliação médica que recebi e aquiesci. 
Pronto! Proposta aceita, inicie o tratamento. Primeiro 10mg/dia; depois 20mg, 40mg, 50mg até chegar à cavalar dose de 60 mg/dia. Para você ter uma ideia, nosso corpo produz naturalmente 7 mg/dia. Eu tomava quase 900 % a mais! Somado a esse medicamento, havia mais 9 que deveria tomar diariamente.
Por estar exposto a dose tão alta, soube que poderia haver alguns efeitos colaterais, tais como: inchaço, euforia, cansaço, perda de massa óssea,  etc. Mas o ponto era que "nada que não compensasse os possíveis malefícios do avanço da doença." À esta altura, eu ainda era um paciente ingênuo. A verdade é que, enquanto fazemos tratamentos de doenças não crônicas, os efeitos colaterais são, praticamente, ignorados. A história muda completamente quando se trata de uma doença crônica e você fica exposto a uma droga que mexe profundamente com o seu organismo! De paciente ingênuo e passivo, eu passei a paciente cético e ativo, como você verá no evoluir dessa narração. 
Já estava na segunda ou terceira semana do tratamento com o bendito corticoide, quando chegou o resultado do laboratório de São Paulo: Glomérulo Nefrite Segmentar e Focal. Traduzindo: meus glomérulos - que são as principais unidades responsáveis pela atividade renal -, estavam definitivamente inoperantes em grande percentual. Enquanto um ser humano normal tem 100% de capacidade renal, eu tinha algo em torno de 15% e diminuindo progressivamente. Isso me assustou "um pouquinho"...

Até então eu estava animado, a minha animação permanecia em alta, lembra-se que eu ainda era um paciente ingênuo?, mas houve um momento ímpar numa consulta, o comunicado de uma verdadeira amputação: eu não mais poderia correr ou mesmo malhar. A razão era que as atividades físicas poderiam gerar muita toxina no meu sangue de forma que este fato poderia sobrecarregar meus rins desnecessariamente. Caminhar seria a minha única opção de exercício físico. Imagine o cenário: um atleta amador que corria 10Km com frequência, frequentava academia de segunda a sábado, estava terminantemente proibido de fazer o que eu mais gostava! Chorei, naquele dia. Foi a primeira vez. Fiquei revoltado! Fui tirado de meu lazer e não havia negociação. Para somar a tragédia daqueles dias, o câncer da minha mãe avançava em largos passos e ainda fui afastado, de um dia para o outro, de um projeto-social que liderava na Prefeitura do Rio onde era co-fundador, e que foi simplesmente a coisa mais amara em toda minha vida profissional. Amputações, amputações, amputações....
Não se pode falar de doença renal sem se falar em vida pessoal. As consequências invadem todas as frentes. A alimentação, o sono, a atividade física, os relacionamentos com amigos, o sexo, a auto-estima, tudo, tudo! Você poderá ver como eu fiquei e concluirá por si. Portanto, reitero a importância de você fazer avaliações com seu médico assistente. Não "durma no ponto"!
Preconceituoso, envergonho-me por ter sido, refutei o exercício da caminhada e segui com a ingestão de doses enormes das drogas médicas, sendo a pior a cortisona.
Ao final de uns 4 meses, comecei a coleção dos primeiros efeitos colaterais. Euforia. 
Estava desempregado, com o país indo cada vez mais para o buraco - estávamos em 2014 - e sentia-me  feliz por qualquer coisa. Ria de tudo, falava como uma matraca, mal dormia - umas 3h ou 4h por dia. Lia livros, ouvia música. Procurava emprego mas, como disse, estávamos em crise e não conseguia me recolocar. Aquilo irresponsavelmente não me perturbava. Nunca fui um homem irresponsável, portanto é estranho hoje rever aqueles eventos e ver como uma droga pode mudar sua percepção da realidade! Tudo estava ótimo na minha cabeça. Dirigia da Zona Sul para o Recreio, umas 2h30min em cada ida ou volta, mas mesmo assim continuava alegre. Que coisa esquisita!

quinta-feira, 24 de março de 2016

A biópsia

A festa do final do ano foi...digamos...repleta de excessos. Excesso de miojo na alimentação, excesso de sol na pele sem usar apropriadamente protetor solar, excesso de falta de sono, excesso de bebidas. Nota: quando digo excessos de bebidas não digo que bebia até cair. Quem me conhece um pouco sabe que nunca fui disso. Quero dizer aprendi que há excesso em quase tudo que é visto como normal na sociedade. Excesso de sódio, potássio, ferro, álcool....excesso de tudo! Descobri que se ficarmos prestando atenção a tudo que comemos ou bebemos a gente pira! E eu quase pirei, mas isso é assunto para outro dia.
Bom, decidi voltar ao tema "saúde" em meados de Fevereiro. Fui a um médico que também é (era?!) acadêmico de uma renomada Universidade. A consulta foi...simpática. Ele me pediu a primeira grande bateria de exames: sangue (foram, sem exagerar, uns 30 tubinhos), fezes, urina, eco-cardiograma, eletro-cardiograma, teste de esforço, raio-x, ressonância magnética, raio disso, raio daquilo....não lembro todos no detalhe, mas lembro que foram inúmeros e eu já comecei o tratamento achando um saco tudo aquilo. Mas hoje entendo que realmente eles são importantes. São importantes porque trazem um auto-conhecimento que deveria haver em todas as pessoas: nós somos frágeis. Não digo que devamos ficar procurando problemas, não é isso, mas digo que o monitoramento, o acompanhamento regular é imprescindível e é ele quem antecipa grandes movimentos que podemos ter para evitar tragédias ou danos ainda piores. Esse foi o meu caso.
Após a primeira, segunda consulta com ele, admito que "não rolou" um bom feeling. Fiquei portanto com a missão de pedir uma segunda opinião. Como havia a dúvida de se fazer ou não a biópsia renal - para quem não sabe biópsia é a retirada de um pedaço, sim, pedaço, de você para análise laboratorial de forma a confirmar as hipóteses levantadas em exames clínicos e outros exames como sangue, etc. Nesta busca foi que conheci minha atual médica assistente, nefrologista, por quem tenho um misto de respeito, admiração e bem querer. Ela é realmente alguém muito importante para mim.
Foi com ela que decidi, por fim, realizar a biópsia. Estamos em Fev-2014. E este ano foi o ponto-da-virada na minha vida.
Fiz a biópsia num dos principais hospitais particulares do Rio, o Copa D'Or. Eu sempre tive receio de hospital e a ideia de ficar acordado enquanto uma pessoa enfiaria uma agulha da grossura de um canudo daqueles antigos nas minhas costas não me animava nem um pouco. Lembro bem da tensão pré-procedimento no quarto e da hora em que, nu - somente com o avental aberto nas costas -, com frio, segui na maca em direção à sala do procedimento. O médico responsável foi absolutamente gentil e tratou de começar uma conversa fiada qualquer mas que, de fato, funcionou em me acalmar. Em dado momento, ele me disse:

- Vamos lá, Danilo! Agora eu quero que você inspire e não se mexa.
Fiz como ele pediu, mas...mas o ambiente começou a escurecer e eu disse:
- Ok, doutor. Mas eu vou desmaiar. Estou indo!
Ao fundo algum aparelho deu a apitar e eu só lembro de ele me chamar lá no fundo da minha mente.
Acredito que imediatamente tenha interrompido o procedimento e lembro-me que minha médica  entrou sala.
Ela perguntou-me se estava tudo bem e eu disse que estava ótimo. Ela então me explicou que achava que devíamos cancelar porque minha pressão baixara muito, talvez por tensão. Eu recusei prontamente. Na minha cabeça, colocar aquela roupa ridícula novamente, naquele frio, naquela tensão....tudo de novo não aconteceria. Se já estávamos lá, que finalizássemos, ora!
Ela então carinhosamente ficou de mãos dadas comigo durante todo o procedimento. Isso me confortou. É muito estranho e desconfortável sentir um "tum" nas suas costas e você saber que algo em torno de 10cm ou 15cm está a perfurar, primeiro o seu "couro" e depois tudo o que estiver na frente até chegar aos seus rins.
Por fim, tudo ocorreu bem, fiquei internado no quarto de um dia para o outro e tive alta logo pela manhã.