quinta-feira, 31 de março de 2016

Tropeços e significados

Ontem foi um dia especial. Quando comecei estes pequenos textos, comecei com uma expectativa modesta de contribuir com um público muito específico: o de pacientes renais. Desde então, a audiência média do blog foi de 100 a 150 leitores diários, o que já seria mais do que suficiente a me motivar a continuar. Ontem houve quase 600 acessos! Esse alcance traz um significado especial a esse meu trabalho e é sobre significados que gostaria de dividir minha experiência com vocês hoje.


Na fase do "desfruto" dos efeitos colaterais eu me retirei do mundo, fazia somente o mínimo do mínimo fora de casa. Francamente não havia força física nem força emocional pra enfrentar a vida. Sim, porque viver também (note: também!) tem um significado de enfrentamento. Enfrentamento dos tropeços, das dificuldades, das limitações. Veja o meu caso: andar tornara-se uma tarefa dolorosa e cansativa (lembra-se que eu havia perdido massa óssea?). A ação de ficar de pé já me cansava! Mas aquilo tudo deveria ter um significado, não deveria? Para mim não há nada que aconteça sem um propósito e eu precisava encontrar o meu.


Uma vez fui ao Barra Shopping almoçar, eu morava no Recreio. Comi num restaurante de comida natural na extremidade do shopping e decidi ir andando até uma livraria na outra. Essa caminhada foi uma verdadeira maratona! Chegando nessa livraria sentei-me ofegante e não podia acreditar naquilo! Eu estava literalmente ensopado de suor e ofegante como se tivesse corrido 20km sob o Sol do meio-dia! A sola dos pés estavam pegando fogo! Juro, parecia que eu pisava em brasas! Demorei uns 20 minutos sentado, observador de minha própria decadência. Pensei mesmo em pedir socorro e usar aquele carrinho que os idosos usam. Que corpo era aquele, meu Deus?!


Após muito refletir, perguntei-me se será mesmo necessário, imprescindível, que nós humanos, precisemos passar pela situação "do outro", sustentar o "peso" por que passa o outro para compreender e respeitá-lo da devida forma? Não me considerava um cara "desrespeitoso", mas vi que ainda me faltava muito para compreender mais profundamente "o outro". Dizem que se não aprendemos os verdadeiros significados da Vida pelo amor, aprendemos pela dor. Eu aprendi um monte deles pela dor:


Aprendi a respeitar infinitamente mais o idoso, será que ele tem osteoporose?
Aprendi a respeitar o obeso, será que ele tem algum problema glandular ou de ansiedade?
Aprendi a respeitar o mendigo, será que ele teve as oportunidades que eu tive?
Aprendi a respeitar e me afastar do "nervosinho", será que ele está imerso em dívidas? Aprendi a respeitar o aparentemente normal, será que ele tem problemas renais? Será que ele tem câncer?
Aprendi a respeitar o meu corpo, sem beber demais, sem comer demais, sem malhar demais, sem pensar bobagens demais!
(...)


Em verdade, ninguém deveria julgar ninguém. Cada um tem um calo que lhe dói o suficiente para lhe trazer os significados que lhe são necessários para que essa pessoa se torne um ser mais humano e menos desumano nessa existência. A pressa em concluir alguma coisa sobre "o outro" nos coloca em risco de...errar. E errar pode trazer um...preço. Porque sabe de uma coisa? Hoje você tem saúde, está imerso em questões superficiais da existência e amanhã....acorda doente! É inegociável! Deus queira que não, mas que ninguém refute a ideia de que nosso corpo é frágil e que somos falíveis. Por favor, por você mesmo e pelos seus amados, seja mais responsável consigo. Sempre dá para fazer mais um pouquinho. As pessoas podem até ignorar, enganar-se a si. Mas esse dia pode chegar e aí é que começa a escola dos significados pela via mais difícil. Do contrário você se torna uma pessoa amarga, revoltada, sem fé. Que cada um consiga encontrar os significados das suas dificuldades. Eu encontrei enormes significados com a minha deficiência renal, espero profundamente que você encontre os seus...pelo amor.

4 comentários:

  1. Dan, suas palavras são oportunas, brilhantes e coerentes para o momento de vida de qualquer pessoa. Aprendi com um médico angiologista muito amoroso e sábio, que "aprendemos mais com a dor do que com o amor" - na época discordei, mas depois reconheci como verdadeiro. Hoje você relata sua experiência e agrega a esta verdade a questão dos "significados da dor". De fato tudo tem um significado, embora geralmente as pessoas não consigam alcançar. Mas você já tinha este conhecimento, agindo sempre com empatia, sensível e excelente profissional. Possivelmente por você ser assim, esteja conseguindo superar tudo com sabedoria e força. Logo estará curado e vamos compartilhar muitas alegrias. Muita força e fé! Abraços.

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  2. Bom, Dan, antes de mais nada, parabéns pelo blog. Li tudo e estou bastante otimista quanto ao futuro desta iniciativa.
    Sim, é verdade que nossa experiência é singular, mas, ao mesmo tempo, universal, pois todos os homens passam pela dor e pelo amor e é assim que aprendemos a nos relacionar com os outros e com o mundo. Tentativa e erro, análise e síntese, dor e amor, causa e efeito, são todas faces da mesma evolução à que estamos destinados.
    No início da vida nos mandaram para a escola, para o catecismo (alguns de nós), para a vida social com as crianças de nossa idade. E parecia muito simples, bastava saber de cor algumas fórmulas, saber como agir, tudo muito bonito e perfeito, muito simples, ao ponto de olharmos o mundo violento e hostil que nos apresentavam e pensar: "mas como eles puderam errar tanto?"
    Pois bem, quando vc vê, está no meio da tempestade, em um bote, com ou sem remos, e daí percebe que nada daquilo que te ensinaram pode te valer nesta situação.
    É isto, nós, IRC's somos náufragos, isolados em nossas ilhas, tentando reaprender a viver com aquilo que temos. No caso, nossas limitações.

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