quinta-feira, 28 de abril de 2016

Transplante de rim não compatível é melhor do que ficar na fila de espera

Olá pessoal!
Novamente andei afastado destas teclas e peço desculpas. Trata-se da adaptação da vida com a hemodiálise e todos os cacarecos dos efeitos colaterais que a medicação traz. Ontem, por exemplo, tive uma crise de constipação. Pode até ter tom de "engraçado", mas quando se está passando por isso a última coisa que você consegue é rir :) Horrível, gente!  Mas vou como na música: "eu envergo, mas não quebro! Amanhã vai melhorar". (só que esse "amanhã", não é bem amanhãããã, saca? rsrsrs)

Conforme meu compromisso, segue um texto que trata sobre transplante renal entre pessoas não compatíveis. A psicóloga que acompanha meu processo de transplante me orientou essa matéria da Folha e eu tenho certeza de que você entenderá o que se precisa sobre o tema. Boa leitura e lembre-se: avise a seus parentes e amigos que você quer salvar uma vida! Doe órgãos! ;)



Seção: Equilíbrio e saúde
Transplante de rim não compatível é melhor do que ficar na fila de espera

MARIANA VERSOLATO
EDITORA-ADJUNTA DE "COTIDIANO"
14/03/2016 02h00

Faz cinco anos que a carioca Viviane Mann Rechtman, 55, vive com um terceiro rim, doado por seu marido, Felipe, 56. Com o transplante, as sessões diárias de diálise acabaram, a qualidade de vida melhorou e a vida seguiu.

A história deles seria igual a milhares de outras não fosse por algo que normalmente impediria esse final feliz: os dois eram incompatíveis.

Após algumas transfusões de sangue e três gestações, Viviane desenvolveu muitos anticorpos anti-HLA em resposta imune a essas células estrangeiras. HLA é, grosso modo, o sistema do corpo que classifica células como "próprias" ou "impróprias".

Os anticorpos anti-HLA de Viviane então atacariam e destruiriam um rim estranho -incluindo o de seu marido, como os exames apontaram.

Mas um procedimento relativamente novo, chamado dessensibilização, consegue filtrar o sangue, retirar os anticorpos "rebeldes" e permitir que o transplante seja feito mesmo nesses casos.

"A diálise me fazia muito mal, e eu tinha que fazer toda noite. Era dependente daquela máquina", conta ela, que passou pelos procedimentos -dessensibilização e depois transplante- no hospital Albert Einstein, em São Paulo. "Agora, tenho um novo rim que vale por três."

O relato de Viviane é corroborado por um novo estudo, publicado na prestigiosa revista médica "New England Journal of Medicine", que aponta que receber um rim de doador vivo e incompatível traz benefícios. É, inclusive, melhor do que ficar na fila à espera de um transplante de falecido compatível.

Infográfico: RIM NOVO - Órgão de uma pessoa 'incompatível' pode ser usado

Os pesquisadores comparam um grupo de pessoas que passaram pela dessensibilização e receberam um rim de doador vivo HLA-incompatível com outros dois grupos: pessoas que ficaram na fila de espera e receberam um rim de doador morto; e pessoas que também ficaram na fila, mas não receberam o órgão.

A sobrevida do primeiro grupo em comparação com o segundo foi 13,6% maior depois de oito anos. Em relação ao terceiro grupo, a sobrevida foi 36,6% maior.

VALE A PENA?

A ideia do estudo, segundo os autores, era avaliar se havia benefício em termos de sobrevida para compensar passar por todo o processo.

"Eles mostram que se você pega esse paciente, faz a dessensibilização, que é um procedimento muito pesado, e transplanta o rim, ele vai melhor do que quem fica aguardando", diz Alvaro Pacheco e Silva Filho, coordenador do programa de transplante renal do Einstein.

Se não fossem retirados, os anticorpos destruiriam rápido o rim transplantado, diz ele. "A dessensibilização muda totalmente a história."

PERFIL

No Einstein, cerca de 20 pacientes já passaram por esses procedimentos. Estima-se que entre 10% e 20% dos pacientes que precisam de um rim se encaixariam no programa por terem anticorpos contra a maioria da população, ou contra o único doador possível.

Mas, se o paciente não tem um doador vivo à mão, não faz sentido passar pela dessensibilização, já que o procedimento tem que ser seguido imediatamente pelo transplante e pode ser feito mesmo depois da operação, para que os anticorpos "rebeldes" não voltem a ser produzidos.

Silva Filho lembra ainda que a técnica de retirada dos anticorpos aumenta o risco de infecção e requer equipe especializada. Também custa caro -acima de R$ 50 mil.

Por todos esse motivos, é improvável pensar no procedimento como algo que possa reduzir significativamente a lista de espera por transplante renal, segundo os especialistas ouvidos.

Valter Duro Garcia, coordenador de transplantes da Santa Casa, afirma, porém, que os procedimentos para transplante incompatível poderiam ser introduzidos no SUS para casos de urgência, desde que de maneira organizada e considerando os custos e riscos.


Fonte: http://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/03/1749594-transplante-de-rim-nao-compativel-e-melhor-do-que-espera.shtml

sábado, 23 de abril de 2016

Transplante renal for dummies (para leigos)

Oi gente, como vocês têm estado? A tensão continua entre sai ou não sai a Dilma, entra o Temer, com Cunha, Renan e toda aquela turma. Incrivelmente, parece menos assustador falar sobre transplante de órgãos, não é mesmo? Portanto, vamos lá!

Mas atenção: tudo que falarei aqui hoje se aplica ao caso de doação renal de doador falecido, ok?


Bom, diferentemente da dinâmica de um transplante cardíaco ou de fígado, a doação renal não possui uma fila. Sim, não se trata de uma fila mas de uma lista. Explico:

Uma fila tem por premissa o atendimento por ordem de chegada. Assim, caso o candidato tenha a mesma tipagem sanguínea que o doador, o candidato que estiver a mais tempo na fila será o contemplado pelo órgão. Já no caso de uma lista, independentemente da ordem de chegada, o candidato a ser contemplado será o que tiver maior compatibilidade com o doador. Portanto, o candidato pode ter entrado no mesmo dia que em que o órgão seja disponibilizado e ser contemplado com a doação.

Mas....como se estabelece essa compatibilização?

Ela é complexa e leva em conta os seguintes fatores:

- A compatibilidade ABO;
- A priorização;
- A idade; e
- A compatibilidade HLA.

Primeiramente, a compatibilidade ABO é a compatibilidade de tipo sanguíneo sem levar em consideração o fator RH. Para entender melhor, veja o meu exemplo:

Eu tenho tipo sanguíneo B e fator RH negativo, logo sou candidato à recepção de doador tipo:

O (que é o doador universal) e
B (que é o mesmo tipo sanguíneo que o meu).
Reitero que independe o fator RH, e isso é uma ótima notícia, porque essa regra não é válida para doação e recepção sangüínea.

"Segundamente" (como diria Sr. Odorico Paraguaçu, prefeito de Sucupira - BA), o sistema leva em consideração a situação de o candidato não ter acesso a nenhum tipo de diálise. Esse favorecimento é chamado de priorização e é feito por solicitação da equipe médica responsável pelo transplante. Esse, possui validade de 30 dias podendo ser renovada.

Em terceiro lugar, há o fator idade. Tão mais novo, maior a expectativa de sobrevida, maior o "favorecimento". A regra é, em geral, assim, mas obviamente que não há doação de um rim de um adulto para um bebê.

Por fim, é feita a tipagem de fatores conhecidos como HLA (em português, Antígenos Leucocitários Humanos). Os fatores HLA são subdivididos em 6 itens de complexa organização e aí é que reside a parte mais difícil. Como esses itens podem ter muitas variações, a compatibilização entre doador e receptor quase sempre não é perfeita e é buscada ser a mais próxima possível.

E quem faz essa compatibilização toda?

O Ministério da Saúde gesta o SNT (Sistema Nacional de Transplante), um órgão exclusivamente voltado para a condução da temática de transplante de doadores falecidos no Brasil. Dentro do STN há o CTN (Cadastro Técnico Único) operado em sistema 100% informatizado, o SIG (Sistema Informatizado de Gerenciamento). Por sua vez, este CTN é composto pelos potenciais receptores brasileiros, natos ou naturalizados, ou estrangeiros residentes no Brasil, que é a lista a que me referi anteriormente.

Eu questionei o meu médico assistente quanto à seriedade deste Sistema, visto que é mais do que claro que um dos comércios mais absurdos e rentáveis do mundo é o de órgãos. Disse, então, ele:

- Danilo, você pode ficar 100% tranquilo porque eu conheço no detalhe a concepção dessa sistemática e é praticamente impossível ocorrer uma fraude.

Ufa! Tomara, não é gente?! Melhor acreditar nele do que viver com essa pulga atrás da orelha. Chega de absurdos nesse país.

Como se faz para se inscrever nessa lista?

O paciente é encaminhado por uma equipe de transplantes autorizada pelo Ministério da Saúde que irá representá-lo e inscrevê-lo. O SIG gerará automaticamente o RGCT (Registro Geral de Cadastro Técnico) e esta é "identidade" do candidato no sistema. Nada é nominal após este registro. Assim, o Sistema blinda os nomes dos pacientes de forma a trazer confidencialidade e não favorecimento durante toda a espera. Nova vinculação entre nome e RGCT só ocorrerá quando da compatibilização feita, automaticamente pelo SIG, e a partir daí começa a "correria" para fazer chegar o órgão ao receptor. Muitas vezes, após a compatibilização, a cirurgia ocorre em 24h!

Há fatores biológicos que dificultam o sucesso de transplante?

Sim. (1) Mulheres que já tenham engravidado, (2) pessoas que tenham sido submetidas a transfusão sanguínea e/ou (3) transplantes de órgãos possuem maior resistência orgânica à recepção do órgão. Isto porque um transplante tem íntima relação com o sistema imunológico do paciente. Funciona, em linguagem leiga, assim:

Um órgão é claramente um corpo estranho no organismo. Uma vez que nosso organismo identifica que há presente esse corpo estranho, nosso sistema imunológico começa a gerar defesas para rejeitá-lo. Para conter esse "ataque" é que o paciente precisa tomar remédios, tais como, imuno-supressores (supressores do sistema imunológico) para "abaixar a guarda do organismo". Assim, todo paciente que recebe um rim, invariavelmente deverá tomar imuno-supressores até a sua morte. O que é um ponto de extrema atenção, pois a diminuição da força do sistema imunológico coloca em risco aquele organismo que antes teria combatido naturalmente e facilmente uma "invasão". Como tudo na vida, há benefícios e malefícios no transplante.

Não é incomum ocorrer alguma rejeição nos primeiros dias pós transplante, mas a medicina atual está razoavelmente "confortável" com a condução dessa fase e obter sucessos. O problema, dizem os médicos, é quando o paciente sai do hospital. Nos primeiros anos a tensão é grande e o paciente fica atento aos cuidados pós transplante, contudo passa o tempo e o paciente...relaxa daí gera o gatilho que desenvolverá uma avalanche de efeitos que acumulados culminarão na rejeição do órgão pelo organismo. Já é comprovado que a maioria das rejeições dos órgãos acontece mais por fatores sociais e do que por fatores orgânicos. Portanto, ajude seus colegas, amigos, parentes na disciplina deste dia-dia pós-transplante. A tentação de comer mais um pouquinho, beber mais um copo, não tomar o remédio é grande mas ela é uma tentação que pode culminar com uma tragédia.

Ufa, escrevi pra caramba hoje! Mas julgo importante dividir com você minha experiência. Eu aprendi que mudar a vida de uma pessoa é mudar o mundo e eu continuo sonhador em querer mudar o mundo. Quem sabe eu mudo o seu :)

O próximo post deste blog será sobre o transplante de rins entre tipos sangüíneos diferentes.

Até lá!



quarta-feira, 20 de abril de 2016

R$ 18,00

"Então Sr. Danilo, para a próxima sessão de hemodiálise você pode comprar o esparadrapo especial tegaderm e o antibiótico XPTO em bisnaga que é uma pomada e trazer. Daí faremos seu curativo com seu próprio material."

Esta foi uma das orientações que ouvi na clínica particular em que faço hemodiálise na minha segunda sessão.

Pensei: Ah, deve haver algum engano. O material da clínica deve ter excepcionalmente acabado e esta orientação é algo provisório. Onde já se viu o paciente levar de casa para a clínica o material padrão para ser feito o curativo? Isso não acontece nem no SUS, certamente não acontece numa clínica particular.

É gente, mas eu me enganei. Enganei-me de achar que o material que me foi pedido é o padrão. Na verdade, não é. O que eu fiquei sabendo após questionar a administração da clínica é o seguinte:

O padrão, pago pelo plano, é esparadrapo comum e gaze. O antibiótico aplicado no local da cirurgia super indicado para evitar uma infecção que pode....pode me matar! é visto como "mera precaução" e, portanto, também não é pago pelo plano. Então, um cateter que se extende em torno de 50 cm dentro do meu corpo, com acesso onde? na minha jugular!  permitindo um acesso externo a todo tipo de bactéria, cuja uma pomada custam R$ 18,00 é vista como "mera precaução". Meu Deus! Me tira daqui! Quero dizer: do mundo! Dá ou não dá nojo desse sistema de saúde no Brasil?

Nossa saúde, pública e privada, está morta e não a enterramos ainda! Não por culpa dos profissionais da base da pirâmide, antes eles a ressuscitam todos os dias, mas ela é morta por quem está no topo.

Note! Note! Eu estava numa clínica particular! Ao meu ver, independentemente de ser SUS ou clínica particular os cuidados deveriam (sim, sim, sim! deveriam sim!) ser os mesmos! Meu Deus do céu...nós estamos falando da vida e da morte das pessoas. Estar doente é uma coisa já tão fragilizante que a gente só quer manter a dignidade....mas nem isso nós estamos tendo acesso. Quão degradante! Quão deprimente!

Eu sofro só de pensar no filho de alguém com 4 anos de idade, com falência renal como eu, mas que depende do Governo para poder sobreviver....quando estou no conforto da minha cadeira, na ótima clínica que me atende (mas que ainda assim) e que não me dá um simples antibiótico, eu fico enojado desta Administração Pública que nos conduz. Isso é crime o que estamos fazendo com as pessoas. Um crime cruel, silencioso e premeditado.

Sabe....pra finalizar....lembrei disso aqui, olha....


Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo, nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo e nosso estado que não é nação...
Celebrar a juventude sem escolas, as crianças mortas, celebrar nossa desunião...
Vamos celebrar Eros e Tanatos, Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza, vamos celebrar nossa vaidade 
Vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas, os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça, a ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos, o voto dos analfabetos
Comemorar a água podre, e os impostos, queimadas, mentiras e sequestros 
Nosso castelo de cartas marcadas (Brazilian House of Cards?), o trabalho escravo, nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação, todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias (Zika, Microcefalia, chikungunya?!), é a festa da torcida campeã...
Vamos celebrar a fome, não ter a quem ouvir, não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade, vamos machucar o coração
Vamos celebrar nossa bandeira, nosso passado de absurdos gloriosos (Guerra do Paraguai?!)
Tudo que é gratuito e feio, tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional, a lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade e comemorar a nossa solidão...
Vamos festejar a inveja, a intolerância, a incompreensão (terrorismo)
Vamos festejar a violência (meu querido Rio de Janeiro)
Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso (Cunha ainda lá?!)
Nosso descaso por educação
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera, nosso futuro recomeça

E esquecer a nossa gente que trabalhou a vida inteira e agora não tem mais direito a nada (Inflação, INSS, Varig, Petros1 falidos falidos!)
Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso, nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou (e certamente incluo-me) essa canção
Meu coração está com pressa quando a esperança está dispersa só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera, nosso futuro recomeça
Venha que o que vem é perfeição...

Saudades eternas Renato...







quinta-feira, 14 de abril de 2016

Transplante renal: o início

De forma bem objetiva, para quem tem, com eu, Glomérulo Nefrite Segmentar e Focal em nível 5, ou GESF, as opções de tratamento, via medicina ocidental, são: hemodiálise ou diálise peritonial e transplante (a depender da indicação). A conduta que me foi recomendada e tenho seguido é esta: hemodiálise e transplante.

De forma que comecei as consultas para falar do transplante. Meu médico é um gentleman: fala com infinita propriedade lastreado nos seus 31 anos de experiência no tema. Alcança mesmo explicações que eu sequer teria capacidade de questionar. Traz, de memória, estatísticas atualizadas sobre deficiência renal crônica pelo mundo e sinto-me um felizardo por tê-lo conhecido.

Entretanto, se por um lado essas consultas possuem um enorme volume de informações precisas e qualificadas, essa precisão e qualificação vem cheia de boas e...não tão boas notícias. Falemos resumidamente sobre elas.

Do ponto de vista do doador:
Os riscos da cirurgia de transplante são maiores para o doador do que para o receptor. O voluntário, além de me oferecer um órgão, escolhe se submeter a um pós operatório provavelmente um pouco doloroso.
A internação deste, após a cirurgia, é de uns 3 ou 4 dias e após 1 mês poderá retornar às sua atividades diárias.
Esteticamente o procedimento é um pouco deformante (por conta da cicatriz).
Por fim, o doador precisa estar ciente de que deverá ter mais cuidados com sua vida com somente um rim, ele precisará ficar mais atento, aliás ele só tem 1 agora.
É preciso muita coragem, viu?!

Já do ponto do meu ponto de vista, do receptor:
O rim novo não substituirá meus dois rins, mas eu terei um terceiro rim a ser colocado na região abdominal.
Os riscos da cirurgia de transplante são mais simples e gerenciáveis, do ponto de vista do procedimento.
O pós operatório é um pouco mais lento, devo esperar ficar internado entre 7 a 9 dias em UTI, para acompanhar o processo de aceitação ou rejeição do organismo quanto ao novo órgão.
Deverei tomar remédio imuno-supressores pra sempre, a fim de impedir uma rejeição posterior à fase hospitalar, e com isso submeter-me aos efeitos colaterais dessas drogas.
Por fim (eu poderia falar muito mais detalhes, mas reitero que a ideia aqui é informar de forma rápida e objetiva) a GESF, a doença original, pode acometer o rim transplantado. Você acredita?!



São muitas notícias, e muitas delas não muito animadoras. Essa última então...
Ontem, saí com um sentimento esquisito em minhas entranhas que posteriormente identifiquei como raiva. Dá raiva ver o homem fazendo tantas coisas maravilhosas com a tecnologia, mas ser muito limitado no caso da minha doença. Dá ódio, ver tanta corrupção de milhões e milhões de reais públicos usados para preencher contas de políticos e empresários corruptos, enquanto esse dinheiro poderia pagar profissionais aplicados às pesquisas científicas que poderiam nos devolver nossa saúde. Dá muita muita raiva desses políticos ao ponto de hoje eu ter acordado com uma leve febre!

Mas, precisamos seguir em frente, e nesses momentos nada melhor do que voltar aos fundamentos que norteiam fundamentalmente a minha vida: o Cristianismo.

Daí, segue um texto que li oportunamente ontem no Facebook de um amigo, Vítor Cruz, que acabou de perder seu querido pai. Permiti-me fazer umas adaptações e gostaria de dividir com vocês essas breves palavras que me reanimaram....lá vai!

"Se Deus é amor, por que existem coisas ruins?"
Na verdade, não existem coisas ruins. Ruins são as nossas temporárias interpretações sobre as coisas. Como nós iríamos evoluir moralmente se não houvesse os obstáculos a serem ultrapassados? Como construiríamos uma armadura moral melhor do que a nos reveste o espírito? O corpo e a vida são o veículo dessa construção.
É papel de cada um estar consciente para identificar suas próprias falhas, ouvir a vida dizer "constrói de novo, mas faça melhor! Senão derrubo outra vez até você aprender".
Demoremos pouco ou muito tempo para compreender, sempre há um propósito maior na dinâmica do desenrolar dos eventos. Nada é por acaso e nada é sem um caso maior do que o fato isolado em si. Sofrer por sofrer não faz sentido. Você acha que o ser que fez o Universo e tudo que nele há, com toda a sua harmonia, nos faria sofrer só por sofrer? Creio que não. Tudo me parece ser um meio, uma ponte entre um estágio x para um estágio y, este melhor.
Acontece que entender esse propósito requer uma maturidade moral grande, requer uma evolução mental e espiritual que certamente nenhum ser humano detém por completo, por isso Ele teve de vir e exemplarmente se submeter e nos explicar como se "joga esse jogo chamado Vida".

É, minha gente, como diz o ditado: não se faz bom marinheiro em mares tranquilos. Sigamos nossa navegação confiantes de que o porto seguro está ali na frente a nos aguardar.
Saúde a todos!

terça-feira, 12 de abril de 2016

Vida "normal"

Estive afastado destas teclas nestes últimos 3 dias...acho que quis curtir um pouco da liberdade de se estar fora do hospital e também pelo fato de estar física e mentalmente cansado. Mas eu passei quase 1 semana deitado, como poderia estar cansado? Exatamente por ter ficado tanto tempo deitado que os músculos ficam mais flácidos e subir um lance de 5 degraus quase se equivale a subir 5 andares de escadas de um prédio! Desafios, gente, desafios...mas a novidade boa mesmo é que tive alta o que me permite voltar à vida "normal". Normal? Vamos tentar entender melhor essa palavra no meu contexto...

Minha rotina agora compreende, além de resolver os problemas que todo mundo tem, em 3 sessões de hemodiálise por semana, cada uma delas a despender 5 horas do dia: 30 minutos para ir de casa até a clínica, 4 horas "ligado" à máquina e, finalmente, 30 minutos para voltar da clínica à casa. Sou felizardo porque vou de metrô! Tenho tentado me esforçar para achar que isso é normal.

Pode ter um tom de reclamação essas palavras, mas o que quero deixar claro é que não há nada de normal numa rotina dessas. A legislação entende que paciente renais crônicos submetidos à hemodiálise podem ter uma vida exatamente normal: trabalhar, ir rotineiramente aos médicos e fazer tudo que a vida adulta demanda. Gostaria de convidar o senhor legislador a fazer tudo isso durante 1 mês, com direito a todas as agulhadas, por favor! Gente, é praticamente impossível! Não se trata de comodismo, mas de ser inviável conciliar todos os compromissos em manter-se vivo - literalmente - com o enfrentamento do mercado de trabalho. Eu tenho enorme dificuldades e gastos e olha que tenho plano de saúde, quase sempre consigo uma carona para ir às tantas consultas a médicos de ponta e, como disse, uso o metrô para me locomover à clínica! Imagine um pai de família pobre, que more na Baixada Fluminense, tenha de fazer hemodiálise pelo SUS no Centro do Rio, vá de ônibus ônibus lotado e chacoalhando com seu cateter à sua jugular que não pode infeccionar de jeito nenhum, tenha ainda que conseguir tempo e energia para ganhar o pão de cada dia como ajudante de pedreiro? Você acha que este homem pode virar para o empreiteiro e dizer:
- Seu Fulano, agora eu chegarei 3x na semana às 2 da tarde porque tenho que ir à hemodiálise, tá bom?
Ah, não gaste minha já pouca paciência com argumentos desse nível!

Sou ciente de que há inúmeros desvios corruptos no sistema de previdência e assistência social deste país. Os "benefícios" deste sistema, são direitos a serem usufruídos pelos cidadãos que se encontram em situações especiais em circunstâncias específicas. Antes de serem um assistencialismo pago pelos cofres públicos, são montantes depositados por empregadores e empregados quando de seu exercício em plena saúde, via de regra, e que, por razões especialíssimas podem e devem ser gozados para ajudar no enfrentamento do pagamento das responsabilidades da vida que não param! É por isso que quero anunciar neste momento que aqueles pacientes renais crônicos que, como eu, contribuíram por anos e anos à previdência e assistência social e que agora precisam de orientação para gozarem deste direito podem me procurar que eu encaminharei aos advogados amigos e conhecidos meus e lutarei para que eles tenham toda uma assistência diferenciada e que consigam seu auxílio-doença!

Por enquanto, sigamos aos trancos e barrancos com nossas rotinas mas não esqueçamos de manter o sorriso no rosto e a profunda fé e esperança de que um dia teremos nossa saúde de volta com o sucesso do procedimento de transplante ou a miraculosa e inexplicável cura advinda de Deus.



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Cada toque especial

Sei que somos uma espécie forte. Nós estamos no topo da escala alimentar, ora!
Tenho 34 anos, 83Kg e 1,80m. Pegava 100 Kg no supino e quase 30kg no bíceps! Mas eu nunca, jamais me senti tão frágil,  tão falível,  tão dependente quanto nesses 5 últimos dias.

Dói na área da cirurgia do cateter,  dói incisão da fístula,  dói as costas de ficar tanto tempo deitado, dói nas 365 coletas de sangue e 1.999 furadinhas na ponta do dedo para medir minha glicose, dói ficar longe dos meus pequenininhos. Dói tudo, como dói!

Disse o maior Mestre da humanidade que "a carne é fraca mas o espírito, forte." E nesses dias eu entendi que a fortaleza do espírito também é construída...

Com a delicadeza do técnico de enfermagem que troca os curativos;
Com a motivação da enfermeira que monitora meus sinais vitais;
Com a mão que apóia e orienta da fisioterapeuta;
Com o sorriso da técnica do laboratório de coleta de sangue às 3am;
Com a calorosa conversa do médico plantonista na hora do meu choro assutado diante, pela primeira vez, da máquina de hemodiálise;
Com a recepção de mensagens e mais mensagens de familiares, amigos próximos e outros que voltaram a se aproximar;
Com a visita do meu pai;
Com a visita do meu sogro que trouxe meus filhos;
Com as sempre presentes mãos extendidas da minha mulher...



Sabe, pensando bem, eu acho que eu sou mais forte do que eu pensava. Porque estou desconfiado de que Ele usa vocês para me fortalecer!

Muito obrigado por tudo que vocês têm feito! Vocês também são a minha fortaleza!

Ah, quase esqueci de dizer: acabei de ter alta. Fase 1 completa! Que venham as demais!

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Comparações sadias

Ontem, terça-feira, fui dar um passeio, caminhar pelo corredor do hospital com a fisioterapeuta. Estava animado já que estava deitado praticamente desde domingo. Esse passeio, foi...hm...um descobrimento.



Sabe aquela senhora que estava aqui do lado do meu quarto gritando? Faleceu; o paciente do quarto seguinte está em coma e entubado; uma outra mulher também está em coma e entubada; a quarta pessoa eu confesso que nem quis olhar para que ninguém me "xingasse" como eu quis xingar quando estava à caminho da sala de operação (subtamente também sofri do mal do curioso :/, "queimei" minha língua).

Durante essa madrugada, observei a movimentação da chegada de mais 2 pacientes na "minha" UTI que estão desacordadas, sendo que uma está prestes a falecer. Em resumo: isso aqui é um show de horrores!

Mas de alguma forma todo esse horror tem um...digamos...lado positivo. Gente, perto dessa galera eu estou ótimo: falo, vejo,  vou ao banheiro (acompanhado), mas só o fato de não ter que usar fraldas ou ter de usar a comadre para evacuar ou ainda não ter alguém  que tenha que me dar banho sobre o leito e eu ter o privilégio de poder, sozinho, limpar minhas "partes baixas" já é sensacional! Perder essas pequenas coisas, que admitimos como triviais no dia-dia, são extremamente degradáveis e eu, neste estado, quase me permito sentir-me como quem diz "uhuuuu,  bora dar uma corridinha!".

Montaigne dizia que "o mal do homem é que ele se compara". Eu acho que Montaigne nunca ficou internado na minha situação, porque do contrário ele não falaria uma besteira dessas. Comparar-me tem sido reconfortante e eu não me sinto tão culpado por isso. Não que eu dê graças a Deus pela desgraças dos outros, mas dou graças a Deus pelo tamanho da minha graça! Já ensinava  a sabedoria popular, desde o tempo na minha avó, que  "não há mal que não possa piorar". Isso é uma verdade a ser lembrada por todos nós! Não quero dizer que devamos nos conformar, nos confortar e deixar de lutar por uma melhora em nossas vidas, absolutamente nao é isso! Proponho sim que devamos olhar as possibilidades intrínsecas à nossa situação e despertarmos forças adormecidas em nós ao olharmos para o lado, já que estas forças estão latentemente indisponíveis aos nossos "vizinhos de quarto".

Percebi mesmo que, nesta vida, estamos todos, de alguma forma, "internados". Pode ser nos hospitais, pode ser fora deles. Estamos todos a enfrentar nossas limitações, nossas "cirurgias" cotidianas e precisamos de encontrar forças para melhorarmos. Façamos isso pelos que nos amam, façamos isso por nós mesmos. Peço a Deus que tenhamos a sabedoria de enfrentar nossas "internações" com inteligência, nem que usemos para isso alguma comparação com paciente do quarto ao lado.

Tenha um bom dia, uma boa "recuperação" e saúde!

terça-feira, 5 de abril de 2016

Pequenos grandes milagres

Segunda-feira,  4-4-2016, 7.20pm. Entra o médico cirurgião-vascular, um homem super educado e super experiente que gentilmente me explica os próximos eventos que antecedem a operação; ele ainda me apresenta ao médico-anestesista, um jovem médico sério, muito seguro do que diz e atencioso. Tomo um dormonid, um sedativo inicial, via oral. Mas não tem jeito: a tensão aumenta. É natural.

Estou acompanhado pela minha mulher no dia-dia do hospital e ela me oferece enorme suporte emocional e mesmo ajuda física imprescindíveis para meu bem-estar. Entretanto, como estou na UTI, o trânsito de outras pessoas, inclusive familiares bem próximos como meu pai, minha irmã, fica, infelizmente, muito dificultado. Mas eles estão sempre em contato comigo.

Terminávamos uma oração, quando entra o maqueiro para me levar para o centro cirúrgico. Tira fios, coloca outros fios ligados a meu corpo. Sigo deitado na maca olhando as luzes fluorescentes passarem no teto uma a uma, como numa cena de filme quando a câmera está virada para cima, sabe? Vira pra lá, vira pra cá,  entra no elevador,  sai do elevador sempre sendo objeto dos olhares dos curiosos no hospital. Da vontade de falar: - Ei, eu estou de verde?! Brincadeira hein, mas as pessoas realmente não são discretas.

Chegamos à sala de cirurgia, um ambiente mega high-tech! Aquele lugar sim é digno de um ser de filme, quando a alma da pessoa fica "voando" vendo a cirurgia acontecer lá embaixo e lá no cantinho do teto, tem aquela luz branca brilhante e uma voz falando Daaaaaaaniiiiiilooooooooo Rsrs A gente morre mas se diverte, né gente?! Rsrs Mas não se preocupe, estou escrevendo da Terra mesmo  :)


Sou passado da maca para a mesa de operação e, também, com a ajuda cortês de algumas pessoas e do médico-anestesista, estico o braço sobre um apoio. O dormonid ainda não fez nenhum efeito e daí chega o médico-anestesista com um papo meio lá-lá-lá e carregando uma seringa. Penso: Danilo, logging off em 3, 2,...
Durante o 2 o teto começa a ficar meio "mole" e eu gargalho: "-Hahaha, eu tô muito doido!!!". Se falei alguma besteira depois disso eu não sei, mas que essa sensação traz um misto de excitação e receio, traz sim! Os caras tiram a gente da tomada!

Deus é muito meu amigo. Jesus também. E parece que alguém da "Administração Lá de Cima" tem escutado as orações e pedidos de todos vocês! Explico-me:
O que deveria durar 1h30min, durou pouco
menos de 5h. Isto porque minha veia deveria ser "assim" e não "assado" (os médicos até me explicaram, mas seria muito técnico discorrer sobre esse detalhe aqui; esse texto tem que ser vapt-vupt). O cirurgião, que é um médico mega experiente, teve um desafio durante o procedimento. Surgiu mesmo a possibilidade de haver uma nova cirurgia em novo local. Essa foi uma das primeiras notícias que tive após retomar a minha contagem mas quando contei o 1 já na UTI de volta. Imagina o frio na barriga!

Digo que Deus é meu amigo porque já pude observar que, quando aceito a situação de coração,  sem revolta, algo de muito bom acontece. Eu ouvi a notícia da possibilidade da nova cirurgia com muita resignação. A gente fica tentando controlar uma série de coisas que a gente não tem controle algum! Na verdade, o que nós controlamos? Ainda não tenho uma plena opinião sobre eu poder tudo, convicto sou Dele poder! Já pude lembrar aqui nestas linhas a seguinte reflexão: qual é mesmo o seu mérito de poder...enxergar, ouvir, falar?! Nenhum! Isso é uma dádiva e, normalmente, não a paramos pra pensar nela. Sequer agradecer agradecemos.

Pois eu aceitei de coração aberto a possibilidade da nova cirurgia e o que aconteceu?  O cirurgião vascular reviu a sua decisão.  Disse que estava ok e que a cirurgia fora um sucesso! Ele deu um sorriso tão honesto que me emocionou. Um pequeno grande milagre se realizara. Terminamos nossa consulta com dizer um simultaneo: Graças a Deus!







segunda-feira, 4 de abril de 2016

Terceira internação

São 7.19am. Do meu lado, um aparelho que mede minha pressão apita tã-nã-nã sem cessar: 99/59 desde 5am; às 3am veio uma simpática moça (só ela estava simpática,  eu...acho que nem tanto rs tadinha) coletar sangue no meu antebraço direito na parte superior (Oi?! Superior? Tem que ser ali porque o acesso na parte interior do braço direito já está com um acesso venoso e o braço esquerdo deve ser preservado para o recebimento da fístula; a noite inteira (in-tei-ra!) uma senhora gritou no "quarto" do lado ao do meu. Segundo a enfermagem, trata-se de uma senhora com problemas psiquiátricos que fora abandonada pela família.  Onde estou? Na UTI do Copa Dor.

Ah, esqueci de dizer e acho que é porque não quero acreditar, mas já já virá alguém retirar amostra com um cotonete estéril nas minhas narinas, minha boca e do ânus Puuuuutz!  Nunca tinha ouvido falar nisso! Isso é tenso, gente!

Show de horrores?! Claro que não! rsrsrs Não é meu quarto na minha casa mas estou levando tudo numa boa. Queria agradecer a todos pelas mensagens carinhosas de desejo de sucesso por aqui. Obrigado mesmo.

Sigo internado para realizar o procedimento de instalação (é assim que se fala?) da fistula, que é a preparação da artéria e da veia que serao a conexão com o equipamento de hemodiálise. Frio na barriga de ansiedade.

Em estado de oração constante, sigo aprendendo com minhas reflexões internas. Interessante como a gente pega um limãozinho e faz uma baita limonada nos eventos da nossa vida!



Que Deus nos abençoe! Boa semana a todos!


domingo, 3 de abril de 2016

Não existe almoço grátis!


Não existe almoço grátis, tudo tem um "preço". Se uma pessoa saudável deveria se ocupar em cuidar de seu corpo, um paciente crônico tem a obrigação de fazê-lo. O seu corpo já está fragilizado e irá potencializar, mais cedo ou mais tarde, os efeitos de suas atitudes. Para nós doentes as consequências vêm inexoravelmente mais cedo.

Mas eu preciso ser franco com você: chegou num momento que eu simplesmente "chutei o balde". Parei a medicação. Parei a dieta. Cansei daquela extenuante rotina de atenção a todos os detalhes da medicação, à contagem de gramas de proteínas que eu ingeria, à medição de porções de arroz, de feijão, de batata, de tudo... Mas que saco! Então eu decidi ignorar que eu tinha um problema renal crônico. Eu estava deprimido demais com aqueles efeitos colaterais e sentia que precisava "voltar a viver novamente"!

Fui à minha médica assistente e a comuniquei asperamente:
- Dra., a sra. é muito atenciosa e competente, gosto da sra. de verdade, mas a partir de hoje não tomarei mais o corticoide. E quanto à dieta, eu preciso voltar a ter prazer de me alimentar. Eu não aguento mais.

Certamente ela conhece pacientes revoltados, e eu creio não ter sido o primeiro em seu consultório. Ela pacientemente me ouviu e explicou que se assim fosse, eu deveria fazer uma transição: ir diminuindo progressivamente a ingestão da droga até "zerar". Alertou-me para um efeito rebote que o corpo poderia ter no caso de uma interrupção repentina - o nosso corpo habitua-se à alta dosagem da droga, sabia disso? E quanto à dieta, disse que eu não deveria me afastar de forma tão agressiva. Meu corpo não estava preparado para um dia-dia "normal". Era preciso cautela.

Como disse, sou réu confesso e eu estava deprimido demais para ter uma alimentação como aquela. Voltei a comer prazerosamente comida "normal" (já que continuo vegetariano). Ah, o sal! Que prazer é comer uma comida tradicionalmente salgada! Parece piada, mas comer comida sem sal é como ter um computador sem internet rsrs :)

Foi assim que voltei a ter o corpo "normal" esteticamente. A osteoporose e as dores no corpo foram diminuindo, o inchaço facial foi desaparecendo, as acnes sumiram de vez. Demorou uns 7 a 8 meses para isso tudo acontecer. E graças a Deus eu retomei, além do que já disse, a minha auto-estima e, com ela, a retomada de uma vida social. Voltei a trabalhar e a retomar a condução de minha vida profissional; e finalmente conheci uma companheira, uma parceira, uma mulher por quem me apaixonei e que hoje me dá uma vida emocionalmente plena junto de nossos filhos. Sim, a família é o início, a base de tudo.



Sabe, no dia de hoje, estou convicto que foi uma decisão importante eu ter dado uma "pausa" naquela forma de tratamento. Eu não estava me sentindo saudável, pelo contrário, sentia que a vida se esvaia de mim e eu mesmo não me reconhecia mais. Por outro lado, como eu disse lá no início, não existe almoço grátis e o preço que eu teria de pagar seria a doença evoluir mais rapidamente, meus rins começarem a parar e, com isso, a hemodiálise acontecer mais cedo do que eu e médica esperávamos.

sábado, 2 de abril de 2016

Desconstruções construtivas

A vida contemporânea nos imprime um ritmo, muitas vezes tão alucinante que nós podemos mesmo perder a essência de quem nós somos. Sei que desde o início da História, até onde se tem registros, o homem tem se perguntado o que ele vem fazer por aqui...mas você já parou para se perguntar o que você está fazendo por aqui?

Alguns simples questionamentos que eu deixei de me fazer:
Faz sentido trabalhar 12 horas por dia e literalmente entregar a sua saúde?
Faz sentido ser rico para...poder comprar o que você quiser?
Faz sentido malhar, malhar, malhar e ficar bonito para se transformar num "objeto" a ser contemplado?

Eu não estou aqui para apontar os defeitos de ninguém, mas tão somente apontar os meus e os aprendizados que esta minha doença me trouxe.

Eu tive de ficar cronicamente doente para literalmente parar tudo e perceber que muito do que eu fazia simplesmente não fazia sentido algum. Eu vivia num automatismo de escolhas impensadas.

Antes de tudo isso acontecer na minha vida, eu era uma pessoa afastada da minha família; afastada dos relacionamentos mais simples e mais importantes; afastada dos significados dos acontecimentos da minha vida; afastada de Deus.

Não fazia sentido eu trabalhar até 2 da manhã reiteradas vezes enquanto minha filha me aguardava em casa ainda bebê.
Não fazia sentido eu querer ser rico, enquanto eu não preciso comprar tudo o que queria. É muito mais fácil viver com pouco de uma forma que eu jamais pude pensar.
Não fazia sentido eu malhar, malhar, malhar para transformar meu corpo numa maçaroca de músculos para... para o quê mesmo?

Sabe, hoje eu tenho certeza de que absolutamente nada é por acaso mesmo. Que Deus é tão tão tão inteligente que faz acontecer desconstruções nas nossas vidas para que possamos, junto Dele, construirmos uma base, uma fundação de um edifício da vida muito mais alto do que podíamos imaginar. Que nada que possamos encontrar no dia-dia material é suficiente para preencher essa necessidade de dar sentido à vida, essa inata necessidade de responder à grande questão "o que eu estou fazendo aqui?".

Minha mãe, como disse anteriormente, teve câncer. Ela faleceu por conta desta doença. O trajeto de seu tratamento teve singular significado também na vida dela. Nós conversávamos muito, sabe? Ficamos doentes na mesma época. Os ciclos das doenças aconteceram de forma razoavelmente simultânea: negação, revolta, reflexão, aprendizado, aceitação. No final, ela havia entendido o sentido de tudo aquilo. Nós pudemos observar que durante muito tempo das nossas vidas, estivemos entregues a preocupações que são só ocupações superficiais e mesmo simples demais para nos ocuparmos. A nossa ficha "caiu"! (E eu honestamente e respeitosamente não sei se você entende a profundidade dessa minha última sentença: a nossa ficha "caiu").

O que paramos para perceber? Por exemplo, tenho certeza que poucas pessoas pensam nisso no seu dia-dia mas você percebeu que hoje:
1) você acordou?
2) você respira?
3) você enxerga?
4) você sente cheiros?
5) você se locomove?
6) você vai ao banheiro urinar ou evacuar normalmente?
7) você não vomita "do nada"?
8) você digere sua comida?
9) você sente gostos?
10) você tem rins em perfeito funcionamento?

Meu amigo, minha amiga, meu parceiro de vida...não se apresse em enxergar todas essas aptidões como óbvias porque elas não são! Que mérito tem você ao desfrutar de cada uma delas? É o acaso? Duvido!
Elas só são óbvias se você se permitir entorpecer pelo dia-dia de propagandas e problemas que, no fundo no fundo, não são problemas de verdade. Não quero com isso dizer  que a vida tenha de ser um oba-oba, sem progresso ou sem conquistas. Não! Quero é dizer que antes de se preocupar com qualquer coisa, você pode, como eu não o fiz durante quase toda a minha existência até os 33 anos, ao acordar poder agradecer a Deus por ter cada uma dessas aptidões "de graça", por ter a oportunidade de ter saúde.

Repito: o que hoje você tem, amanhã, ou melhor, à tarde você não sabe se tem. O que Deus dá, Deus tira. Por favor, aprenda com o meu erro, com o erro da minha mãe: pare para pensar, antes que Ele o faça parar. São essas as desconstruções construtivas da vida.



Em 1 dia, eu entrarei numa cirurgia para preparar meu braço para o processo de hemodiálise. Serão 3 seções por semana, cada uma de 4 horas. Depois de muito refletir, vejo que Ele me "parou" porque eu realmente precisava aprender com o que de fato tem valor. Graças a Deus eu sou deficiente renal, e que Ele me dê uma segunda chance de repensar a minha vida. Estou fazendo a minha parte, e você?