quinta-feira, 31 de março de 2016

Tropeços e significados

Ontem foi um dia especial. Quando comecei estes pequenos textos, comecei com uma expectativa modesta de contribuir com um público muito específico: o de pacientes renais. Desde então, a audiência média do blog foi de 100 a 150 leitores diários, o que já seria mais do que suficiente a me motivar a continuar. Ontem houve quase 600 acessos! Esse alcance traz um significado especial a esse meu trabalho e é sobre significados que gostaria de dividir minha experiência com vocês hoje.


Na fase do "desfruto" dos efeitos colaterais eu me retirei do mundo, fazia somente o mínimo do mínimo fora de casa. Francamente não havia força física nem força emocional pra enfrentar a vida. Sim, porque viver também (note: também!) tem um significado de enfrentamento. Enfrentamento dos tropeços, das dificuldades, das limitações. Veja o meu caso: andar tornara-se uma tarefa dolorosa e cansativa (lembra-se que eu havia perdido massa óssea?). A ação de ficar de pé já me cansava! Mas aquilo tudo deveria ter um significado, não deveria? Para mim não há nada que aconteça sem um propósito e eu precisava encontrar o meu.


Uma vez fui ao Barra Shopping almoçar, eu morava no Recreio. Comi num restaurante de comida natural na extremidade do shopping e decidi ir andando até uma livraria na outra. Essa caminhada foi uma verdadeira maratona! Chegando nessa livraria sentei-me ofegante e não podia acreditar naquilo! Eu estava literalmente ensopado de suor e ofegante como se tivesse corrido 20km sob o Sol do meio-dia! A sola dos pés estavam pegando fogo! Juro, parecia que eu pisava em brasas! Demorei uns 20 minutos sentado, observador de minha própria decadência. Pensei mesmo em pedir socorro e usar aquele carrinho que os idosos usam. Que corpo era aquele, meu Deus?!


Após muito refletir, perguntei-me se será mesmo necessário, imprescindível, que nós humanos, precisemos passar pela situação "do outro", sustentar o "peso" por que passa o outro para compreender e respeitá-lo da devida forma? Não me considerava um cara "desrespeitoso", mas vi que ainda me faltava muito para compreender mais profundamente "o outro". Dizem que se não aprendemos os verdadeiros significados da Vida pelo amor, aprendemos pela dor. Eu aprendi um monte deles pela dor:


Aprendi a respeitar infinitamente mais o idoso, será que ele tem osteoporose?
Aprendi a respeitar o obeso, será que ele tem algum problema glandular ou de ansiedade?
Aprendi a respeitar o mendigo, será que ele teve as oportunidades que eu tive?
Aprendi a respeitar e me afastar do "nervosinho", será que ele está imerso em dívidas? Aprendi a respeitar o aparentemente normal, será que ele tem problemas renais? Será que ele tem câncer?
Aprendi a respeitar o meu corpo, sem beber demais, sem comer demais, sem malhar demais, sem pensar bobagens demais!
(...)


Em verdade, ninguém deveria julgar ninguém. Cada um tem um calo que lhe dói o suficiente para lhe trazer os significados que lhe são necessários para que essa pessoa se torne um ser mais humano e menos desumano nessa existência. A pressa em concluir alguma coisa sobre "o outro" nos coloca em risco de...errar. E errar pode trazer um...preço. Porque sabe de uma coisa? Hoje você tem saúde, está imerso em questões superficiais da existência e amanhã....acorda doente! É inegociável! Deus queira que não, mas que ninguém refute a ideia de que nosso corpo é frágil e que somos falíveis. Por favor, por você mesmo e pelos seus amados, seja mais responsável consigo. Sempre dá para fazer mais um pouquinho. As pessoas podem até ignorar, enganar-se a si. Mas esse dia pode chegar e aí é que começa a escola dos significados pela via mais difícil. Do contrário você se torna uma pessoa amarga, revoltada, sem fé. Que cada um consiga encontrar os significados das suas dificuldades. Eu encontrei enormes significados com a minha deficiência renal, espero profundamente que você encontre os seus...pelo amor.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Efeitos colaterais

"Isso também passa." Costumava dizer o velho Chico Xavier referindo-se às bonanças e às tempestades. No final, tudo irá passar. Mas, numa boa, em certas tempestades a navegação "dói", não "dói"? Pois é....doeu pra caramba essa fase.
Eu já tive a oportunidade de dizer que o corticoide é a coisa que mais detesto sobre a face da Terra. Neste post, em uma imagem, irei explicar o porquê.


Este sou eu após quase 1 ano de intensa dose de corticoide. Não me venha dizer que o problema sou eu e que eu sou vaidoso, porque não se trata somente de um inchaço facial. Trata-se ainda de:
- acnes (espinhas) mil pela face e nas minhas costas;
- perda de massa óssea, ao ponto de eu não conseguir segurar minha filha no colo;
- dores nas solas dos pés, muuuuuitas dores porque eu não tinha mais tônus no esqueleto que segurasse meu peso;
- cansaço extremo, ao ponto de eu ter de dormir às 7pm e acordar às 8pm para continuar meu dia.;

Além desses que listei acima, há os efeitos sociais. Meus amigos não me reconheciam nas ruas. Eu os assustava quando dizia "Oi Fulano, sou eu, Danilo."

Permita-me o desabafo agora: tomar corticoides é uma merda!

Por outro lado, pude perceber que quem gosta de mim, quem se preocupa comigo de verdade não se afastou. Não fez chacota da minha situação. Não se apegou às superficialidades. Pelo contrário, me abraçou e ajudou-me a me reerguer e a devolver o meu corpo o mais próximo da normalidade possível. Hoje estou assim...


Fica portanto um especial agradecimento a quem sempre esteve comigo.
Sabe aquela história de que a nossa essência não muda? Então, ela é verdade! E eu  aprendi de verdade que "o essencial é invisível aos olhos".

terça-feira, 29 de março de 2016

RivoTrip

O último post foi meio bad-vibe. Eu sei. Mas a ideia aqui não é enganar ninguém. Nós, pacientes renais crônicos, temos momentos de bad-vibe com nossa doença. O que não quer dizer que somos pessoas "pra baixo". Pelo contrário, posso dizer que eu tento tirar sarro de algumas situações. Como essa que agora vou contar pra você:
A alimentação foi sendo estabilizada e junto dela a fase da euforia também até o ponto que subitamente fiquei...cansado. Cansado demais. Exausto de tal forma que não conseguia dormir. Minha mente "não parava"! Sabe quando você chega em casa tão cansado, tão morto que sequer consegue fechar os olhos porque eles ficam tremendo? Então, é mais ou menos por aí....
Só que, como os efeitos da exaustão foram ficando cada vez mais intensos, eu tive de procurar minha médica novamente. Foi aí que tchan-tchan-tchan-tchan....ela me receitou o Rivotril. Remédio que passei a chamar de "pílula da felicidade" (olha essa imagem que eu achei na internet, eu nem sabia que plagiava! rsrs) A despeito de eu o tomar em dose muito pequena, ela foi o suficiente para eu dormir como uma criança que chega "morta" após um dia inteiro no parque de diversões. Passei a amar o remédio! Mas ATENÇÃO: estou a relatar a minha experiência com um medicamento prescrito por uma médica. Não quero lhe incentivar a automedicar-se ou fazer uso recreativo da droga. Seu uso é arriscado se não for controlado e pode causar dependência. Portanto, seja responsável! 
Bom, voltando ao Rivotril, eu dizia para mim mesmo que iria fazer uma RivoTrip (trip de viagem, em inglês). Eu o tomava uns 20 minutos antes de deitar na cama e a certa altura começava a sentir-me meio que dormente. Francamente não sei se era auto-sugestão mas o fato é que eu assim me sentia e ia deitando na cama já meio grogue e com um leve sorriso no rosto, curtindo uma "onda". A gente viaja na nossa intimidade, não é mesmo? Mas quem nunca fez essas coisas meio "wow" que atire a primeira pedra! De forma que quando eu dava por mim já era de manhazinha novamente e eu, finalmente, havia feito minha RivoTrip e desembarcava na Terra novamente.
Pode parecer caricata ou até engraçada a cena, mas essas são fases complicadas para um paciente. Observando tudo "de longe" como agora faço, concluo que eu estava em momentos muito singulares, diferentes do meu modus operandi normal no dia-dia. Soma-se a isso tudo ao fato de eu estar sozinho à época. Recém divorciado, não namorava, não saía de casa, e quando saia, ia na casa dos meus pais visitar minha enferma mãe, hoje já falecida.
Reitero que conto esses detalhes de minha intimidade, não para satisfazer a curiosidade superficial das pessoas, mas antes para tentar auxiliar num aperfeioamento do entendimento de um mundo de pessoas que são objeto da doença renal ou daqueles que amam quem a tenha. Você não acha que alguém no interior do Brasil, longe de uma rede de relacionamentos, não precisaria conhecer mais sobre esse tema? Estou convicto que sim! Eu soube, e vou confirmar para você essa informação qualquer dia desses, que quase 20% da população brasileira é deficiente renal crônica. Imagine você: quase 50 milhões de pessoas! :o
Para finalizar, aprendi que não poderia ficar dependendo de um remédio pra continuar a vida. Não este, já que tenho de controlar a pressão para sempre com remédios. Aprendi que, depois da crise, eu deveria retomar as rédeas do meu sono e foi o que fiz. Mas, deixe-me confessar, a fase das RivoTrips não foram tão ruins assim... rsrsrs

segunda-feira, 28 de março de 2016

Dieta

Simultaneamente às primeiras consultas com a nefrologista, fui a uma nutricionista indicada pela minha irmã. Ela era, até onde sabíamos, a melhor especialista em nutrição de pacientes renais crônicos e deveria ser escutada. Lembro-me bem da consulta: eram 2 tangerinas no máximo durante a semana. 3 maças também como máximo semanal. 2 ovos por dia. 2 porções de arroz por dia. 1/4 de concha de feijão por dia. 14 uvas por semana. Coisas assim, tintin-por-tintin.
Como eu ainda estava  na fase da euforia, achei tudo uma maravilha e super fácil de fazer. Um engano tremendo! Depois de pouco mais de 1 mês, comecei a sentir medo de comer. Descobri que 99,99% do que se vende é, em verdade, veneno. Um veneno até mesmo para um ser humano saudável, quiça eu, não saudável!  A gente fica neurótico! Eu só via que minha alimentação era "descolorida", insossa, sem graça, deprimente. Deus que me perdoe! Minha irmã a preparava com o maior amor do mundo mas a repetição das mesmas coisas sempre, a ultra-disciplina de andar com um papelzinho com tudo o que havia comido, o medo de piorar minha condição renal, vai te enjoando, enjoando, ao ponto de eu sequer conseguir comer. Sentia fome mas não comia nada.
Foi assim que inaugurei então a fase da abstenção de comida. Na minha cabeça, se eu não comesse, pelo menos não agrediria ainda mais meus rins porque não teria tanta toxina alimentar para filtrar. Passei a não comer quase nada.
De 94 Kg, que tinha no início do tratamento, fui para 72 Kg e isso passou a ser fonte de preocupação para minha médica e minha nutricionista. Fui orientado a tomar um complemento de gosto de cobre horroroso que me fazia vomitar. Eu o tomava às lágrimas, sozinho.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Amputações em minha vida

Já com os resultados dos exames que o primeiro médico havia me pedido, e mesmo antes da chegada do resultado da biópsia, minha médica assistente decidiu começar um tratamento intensivo contra a doença. Foi aí que conheci a coisa que mais odeio até hoje: corticoide. A ideia é a seguinte: dado um provável diagnóstico de uma doença auto-imune grave (grosso modo: uma doença que é o corpo contra o próprio corpo), seria arriscado demais esperar o resultado da biópsia para um diagnóstico quase "líquido e certo". Esta foi a avaliação médica que recebi e aquiesci. 
Pronto! Proposta aceita, inicie o tratamento. Primeiro 10mg/dia; depois 20mg, 40mg, 50mg até chegar à cavalar dose de 60 mg/dia. Para você ter uma ideia, nosso corpo produz naturalmente 7 mg/dia. Eu tomava quase 900 % a mais! Somado a esse medicamento, havia mais 9 que deveria tomar diariamente.
Por estar exposto a dose tão alta, soube que poderia haver alguns efeitos colaterais, tais como: inchaço, euforia, cansaço, perda de massa óssea,  etc. Mas o ponto era que "nada que não compensasse os possíveis malefícios do avanço da doença." À esta altura, eu ainda era um paciente ingênuo. A verdade é que, enquanto fazemos tratamentos de doenças não crônicas, os efeitos colaterais são, praticamente, ignorados. A história muda completamente quando se trata de uma doença crônica e você fica exposto a uma droga que mexe profundamente com o seu organismo! De paciente ingênuo e passivo, eu passei a paciente cético e ativo, como você verá no evoluir dessa narração. 
Já estava na segunda ou terceira semana do tratamento com o bendito corticoide, quando chegou o resultado do laboratório de São Paulo: Glomérulo Nefrite Segmentar e Focal. Traduzindo: meus glomérulos - que são as principais unidades responsáveis pela atividade renal -, estavam definitivamente inoperantes em grande percentual. Enquanto um ser humano normal tem 100% de capacidade renal, eu tinha algo em torno de 15% e diminuindo progressivamente. Isso me assustou "um pouquinho"...

Até então eu estava animado, a minha animação permanecia em alta, lembra-se que eu ainda era um paciente ingênuo?, mas houve um momento ímpar numa consulta, o comunicado de uma verdadeira amputação: eu não mais poderia correr ou mesmo malhar. A razão era que as atividades físicas poderiam gerar muita toxina no meu sangue de forma que este fato poderia sobrecarregar meus rins desnecessariamente. Caminhar seria a minha única opção de exercício físico. Imagine o cenário: um atleta amador que corria 10Km com frequência, frequentava academia de segunda a sábado, estava terminantemente proibido de fazer o que eu mais gostava! Chorei, naquele dia. Foi a primeira vez. Fiquei revoltado! Fui tirado de meu lazer e não havia negociação. Para somar a tragédia daqueles dias, o câncer da minha mãe avançava em largos passos e ainda fui afastado, de um dia para o outro, de um projeto-social que liderava na Prefeitura do Rio onde era co-fundador, e que foi simplesmente a coisa mais amara em toda minha vida profissional. Amputações, amputações, amputações....
Não se pode falar de doença renal sem se falar em vida pessoal. As consequências invadem todas as frentes. A alimentação, o sono, a atividade física, os relacionamentos com amigos, o sexo, a auto-estima, tudo, tudo! Você poderá ver como eu fiquei e concluirá por si. Portanto, reitero a importância de você fazer avaliações com seu médico assistente. Não "durma no ponto"!
Preconceituoso, envergonho-me por ter sido, refutei o exercício da caminhada e segui com a ingestão de doses enormes das drogas médicas, sendo a pior a cortisona.
Ao final de uns 4 meses, comecei a coleção dos primeiros efeitos colaterais. Euforia. 
Estava desempregado, com o país indo cada vez mais para o buraco - estávamos em 2014 - e sentia-me  feliz por qualquer coisa. Ria de tudo, falava como uma matraca, mal dormia - umas 3h ou 4h por dia. Lia livros, ouvia música. Procurava emprego mas, como disse, estávamos em crise e não conseguia me recolocar. Aquilo irresponsavelmente não me perturbava. Nunca fui um homem irresponsável, portanto é estranho hoje rever aqueles eventos e ver como uma droga pode mudar sua percepção da realidade! Tudo estava ótimo na minha cabeça. Dirigia da Zona Sul para o Recreio, umas 2h30min em cada ida ou volta, mas mesmo assim continuava alegre. Que coisa esquisita!

quinta-feira, 24 de março de 2016

A biópsia

A festa do final do ano foi...digamos...repleta de excessos. Excesso de miojo na alimentação, excesso de sol na pele sem usar apropriadamente protetor solar, excesso de falta de sono, excesso de bebidas. Nota: quando digo excessos de bebidas não digo que bebia até cair. Quem me conhece um pouco sabe que nunca fui disso. Quero dizer aprendi que há excesso em quase tudo que é visto como normal na sociedade. Excesso de sódio, potássio, ferro, álcool....excesso de tudo! Descobri que se ficarmos prestando atenção a tudo que comemos ou bebemos a gente pira! E eu quase pirei, mas isso é assunto para outro dia.
Bom, decidi voltar ao tema "saúde" em meados de Fevereiro. Fui a um médico que também é (era?!) acadêmico de uma renomada Universidade. A consulta foi...simpática. Ele me pediu a primeira grande bateria de exames: sangue (foram, sem exagerar, uns 30 tubinhos), fezes, urina, eco-cardiograma, eletro-cardiograma, teste de esforço, raio-x, ressonância magnética, raio disso, raio daquilo....não lembro todos no detalhe, mas lembro que foram inúmeros e eu já comecei o tratamento achando um saco tudo aquilo. Mas hoje entendo que realmente eles são importantes. São importantes porque trazem um auto-conhecimento que deveria haver em todas as pessoas: nós somos frágeis. Não digo que devamos ficar procurando problemas, não é isso, mas digo que o monitoramento, o acompanhamento regular é imprescindível e é ele quem antecipa grandes movimentos que podemos ter para evitar tragédias ou danos ainda piores. Esse foi o meu caso.
Após a primeira, segunda consulta com ele, admito que "não rolou" um bom feeling. Fiquei portanto com a missão de pedir uma segunda opinião. Como havia a dúvida de se fazer ou não a biópsia renal - para quem não sabe biópsia é a retirada de um pedaço, sim, pedaço, de você para análise laboratorial de forma a confirmar as hipóteses levantadas em exames clínicos e outros exames como sangue, etc. Nesta busca foi que conheci minha atual médica assistente, nefrologista, por quem tenho um misto de respeito, admiração e bem querer. Ela é realmente alguém muito importante para mim.
Foi com ela que decidi, por fim, realizar a biópsia. Estamos em Fev-2014. E este ano foi o ponto-da-virada na minha vida.
Fiz a biópsia num dos principais hospitais particulares do Rio, o Copa D'Or. Eu sempre tive receio de hospital e a ideia de ficar acordado enquanto uma pessoa enfiaria uma agulha da grossura de um canudo daqueles antigos nas minhas costas não me animava nem um pouco. Lembro bem da tensão pré-procedimento no quarto e da hora em que, nu - somente com o avental aberto nas costas -, com frio, segui na maca em direção à sala do procedimento. O médico responsável foi absolutamente gentil e tratou de começar uma conversa fiada qualquer mas que, de fato, funcionou em me acalmar. Em dado momento, ele me disse:

- Vamos lá, Danilo! Agora eu quero que você inspire e não se mexa.
Fiz como ele pediu, mas...mas o ambiente começou a escurecer e eu disse:
- Ok, doutor. Mas eu vou desmaiar. Estou indo!
Ao fundo algum aparelho deu a apitar e eu só lembro de ele me chamar lá no fundo da minha mente.
Acredito que imediatamente tenha interrompido o procedimento e lembro-me que minha médica  entrou sala.
Ela perguntou-me se estava tudo bem e eu disse que estava ótimo. Ela então me explicou que achava que devíamos cancelar porque minha pressão baixara muito, talvez por tensão. Eu recusei prontamente. Na minha cabeça, colocar aquela roupa ridícula novamente, naquele frio, naquela tensão....tudo de novo não aconteceria. Se já estávamos lá, que finalizássemos, ora!
Ela então carinhosamente ficou de mãos dadas comigo durante todo o procedimento. Isso me confortou. É muito estranho e desconfortável sentir um "tum" nas suas costas e você saber que algo em torno de 10cm ou 15cm está a perfurar, primeiro o seu "couro" e depois tudo o que estiver na frente até chegar aos seus rins.
Por fim, tudo ocorreu bem, fiquei internado no quarto de um dia para o outro e tive alta logo pela manhã.



quarta-feira, 23 de março de 2016

Meus primeiros exames

Fiquei o restante de 2013 sem saber a causa de minha hipertensão e a ignorar o fato de sequer tê-la. Bem, não a ignorei tanto assim mas não posso dizer lhe que dei a devida atenção. Naquele Novembro, fui a um cardiologista da família que, de forma bastante responsável, medicou-me um hipotensor - literalmente uma droga para baixar a pressão arterial-, e solicitou-me que fizesse exames de sangue. Para ele, a hipótese de eu ter uma deficiência cardíaca como doença primária era, apesar de possível, improvável dados meus hábitos de exercício físico aeróbico e anaeróbico intensos, hábitos de alimentação e idade; mais provável seria haver algum outro órgão como causador da hipertensão ou estar sob algum pico de estresse - minha mãe acabara de ser diagnosticada com um câncer em avançado estágio. 
Lembro de não ter demorado em fazer o exame de sangue e de retornar ao consultório médico com os resultados e foi aí que comecei a descobrir que eu tinha rins. Sim, descobrir, porque até então, com tudo funcionando aparentemente perfeitamente "aqui por dentro", eu sequer me dava conta de que eu tinha órgãos internos. A gente simplesmente é irresponsável e os ignora! Foi neste dia também que conheci uma coisa chamada creatinina, que é uma espécie de indicador/marcador de "toxinas" no nosso sangue. Ela, não só mas também, indica o nível de atividade da função renal propriamente dita. Tão maior, pior. Aqui cabe uma advertência: Meu texto é de um paciente, um leigo por assim dizer, e que jamais tem a intenção de substituir uma consulta médica. Portanto, que fique claro: eu não sou médico e quero simplesmente ilustrar a minha experiência para chamar a atenção das pessoas sobre como o dia-dia aparentemente inocente esconde informações sobre vida e morte. Bom, como dizia, o nível ótimo da creatinina varia de acordo com sexo, idade, peso, mas no meu caso deveria ser algo em torno de 1,4-1,6 e o meu já estava em 2,1.
No meu caso, por ora, eu deveria buscar um nefrologista imediatamente mas imagine você: já estávamos em Dezembro, eu estava prestes a ter o primeiro Réveillon da minha vida na qualidade de solteiro, tendo alugado uma casa com os amigos em Búzios - RJ. Você acha que eu ficaria ocupado com um par de rins. Rins? Pra quê rins? - eu pensava. Eles servem pra fazer xixi, e olhe lá! 
Quanta ignorância, meu Deus!

terça-feira, 22 de março de 2016

O começo

Nov-2013. Eu estava dirigindo, por volta das 5pm. Havia saído do meu antigo trabalho na Prefeitura do Rio, no Centro. Tinha (tenho) uma filha linda, tinha amigos e companhias das mais variadas, ganhava otimamente bem, levava uma vida vegetariano de carteirinha, malhava religiosamente todos os dias, enfim, não havia do que reclamar.
Seguia pela rua Humaitá sentido Lagoa, quando senti uma dor de cabeça intensa, tão intensa que me fez fechar os olhos. Com os olhos semi-cerrados, fui encostando o carro até parar. Liguei para uma pessoa da área de saúde que me recomendou aferir a pressão. Busquei o serviço em diversas farmácias até descobrir que atualmente é proibido esse tipo de atividade. Vá entender o porquê... por fim, consegui numa farmácia "caridosa" no Leblon, depois eu prometer que jamais falaria no assunto (promessa que acabo de quebrar rs).
Brincadeiras à parte, minha pressão estava em 22 por 15. Ora, eu tinha vida ativa, alimentação quase "perfeita" (a consulta da minha endocrinologista eram R $400,00!) e tinha vivido 10 anos na Marinha sem qualquer desconfiança de unha encravada! Havia algum engano com aquela aferição! Tinha de haver! ... Eu queria que houvesse! Mas...o único engano que havia era eu achar que eu era saudável. Não era.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Minha segunda internação

Na última sexta feira, Mar-18, completei 8 dias de uma diarréia chata. Ora mais intensa, ora menos intensa, mas sempre lá.
Escrevi, via WhatsApp, para minha médica assistente - sim, com grande esforço pago mensalmente um plano de saúde para mim e minha filha-, e esta me orientou a tomar bastante água e ir diretamente à emergência do Copa D'or.  Seu receio, disse ela, era uma possível desidratação que ocasionaria um agravamento importante da função renal. 
Como sou empresário-solitário, sim, essa nova classe de sobreviventes que tiveram de migrar de área  nestes dias de crise político-econômica, tive de fechar minha micro-loja de reparos em smartphones e notebooks, e ir para o hospital.
Dito e feito, após passar pela triagem e aguardar 2h naquela dolorida cadeira de espera que se diz Smart Track, uma médica me chama. - Sr. Danilo. Por favor, me acompanhe.
Segue seu discurso:
- O sr. está se sentindo bem?
- Sim, estou ótimo, fora a questão intestinal... Mas, o que está acontecendo?
- Bom, da última vez que o sr. esteve aqui, sua creatinina estava, em média, 2. Neste momento, ela está em 5.7, o que indica um agravamento importante da sua função renal. Além de um desequilíbrio do seu nível de potássio. De forma que o sr. deverá ficar internado em UTI para hidratação com soro bicarbonato de sódio.  Passaremos uma sonda pela sua uretra para acompanhar o fluxo de líquido que entra versus o que sai. O sr. está acompanhado?
- Não, não neste momento. Já entraram em contato com minha médica assistente?
- Sim, mas ainda não tivemos resposta. Parece que ela está de férias.
- Entendo...
- Por enquanto é isso, a enfermagem irá atendê-lo em breve e fará a transferência para a UTI.

Deito-me e passo a olhar para o teto. Minha mãe acabou de falecer. Foi no dia Dez-18. Seria o início de minha ida também? A esta pergunta ninguém sabe a resposta, restando a nós a complexa obrigação de lutar pela vida, não só por mim, mas por minha mulher, filhos, meu pai e minha irmã, meus amigos....um turbilhão de questões emergem e bóiam na superfície dos meus pensamentos. Cai uma lágrima solitária.