domingo, 21 de maio de 2017

A felicidade

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Ah, a felicidade...quem não quer ser feliz? Gozar de saúde própria e dos seus entes queridos; ter dinheiro no bolso e no banco; trabalhar em uma organização onde se ganha muito bem e cuja reputação é signo de status por compor seu quadro de funcionários; ter uma linda casa na cidade e outra na serra para curtir um friozinho sob a lareira e, por que não, outra na praia para curtir o Sol tropical de nossa terra abençoada por Deus; um lindo carro também vai muito bem, obrigado; poder tratar-se esteticamente sem preocupações com valores; sem falar na possibilidade de poder viajar uma ou duas vezes por ano; ter cacife para jantar fora em um restaurante bacana, no mínimo, uma vez por semana e desfrutar daquele delicioso prato que tanto te apetece; e quem sabe, ir ao teatro uma vez por semana sem apertar a carteira e, de quebra, um cineminha, porque ninguém é de ferro (salvo o Wolverine). Ah, a felicidade...é claro que todos a querem. Vivemos para sermos felizes e esses são os requisitos de uma vida feliz, não são mesmo?

Bom, eu não sou veloz em responder a essa pergunta....antes, gostaria de propor uma reflexão.

// Disclosure: É claro que há tantos outros objetos de desejo mais ou menos diferentes dos que relacionei. O que eu quis foi simbolizar para o querido leitor um exemplo de "lista de desejos" de um homem médio contemporâneo. Portanto, perdão se não fui tão exato.

Estou convencido de que fomos e somos ensinados a realizar sonhos, tal qual uma "lista de desejos" idealizada. Mais! Fomos e somos educados a entender que prazer é sinônimo de felicidade. Mais ainda! Fomos e somos treinados a enxergar que sofrimento e felicidade não podem coexistir. Portanto, não é surpresa que a depressão é uma das doenças mais comuns nos dias atuais.

Destes "lista", ergue-se um padrão de comportamento que direciona o indivíduo a querer saciar seus desejos a qualquer custo (Yes! You Can!) e a repudiar qualquer tipo de sofrimento. Funcionamos, grosso modo, assim:
- tão mais desejamos e nos saciamos, tão mais acreditamos sermos felizes; e
- tão mais desejamos e não nos saciamos, mais somos infelizes.

Veja, felicidade tornou-se sinônimo de saciar o próprio umbigo! Assim, se eu tenho um carro importado, vou querer uma Ferrari até o dia que minha Ferrari se torne somente mais um item na minha vida. Daí eu vou querer um iate. Gozarei deste prazer durante um tempo, mas chegará o dia que ele se tornará mais um bem com o qual não mais me satisfaço. Daí é possível que eu vá querer um helicóptero...e assim sucessivamente. A voracidade humana não tem fim! Sempre desejamos algo a mais, outro a mais e por não realizarmos todos os "algo a mais"... somos infelizes. É a síndrome do "eu mereço". Eu mereço isso, eu mereço aquilo, mas se acredito que mereço e não tenho, inevitavelmente sinto-me infeliz. É um ciclo vicioso e infinito em querer, saciar-se, entediar-se e voltar a querer uma nova coisa. Você acha esse padrão de comportamento saudável, razoável, inteligente? Eu não! Acho isso uma armadilha que causa angústia, frustração e uma terrível infelicidade.

Noutro dia eu escrevi aqui nestas páginas virtuais que eu queria saúde, dando a entender que essa é uma expectativa da qual depende a minha plena felicidade. Não é assim, acho que não me fiz claro. Não nego que coleciono desejos a serem realizados e ter saúde é um dos principais, já que não gozo dela plenamente. Mas não quero demonizar os desejos! O que eu quero é propor uma nova forma de nos relacionarmos com eles e, principalmente, com essa jornada pelo encontro com a felicidade. O nosso pecado reside na expectativa que depositamos sobre os desejos ao responsabilizá-los por nos trazerem a tão sonhada felicidade. Eles não a trarão! Eles não podem! Realização de desejos nos trazem prazeres, ecstasy! E ecstasy não é felicidade! 

Ainda nesta linha, confundimos sofrimento com infelicidade. Se quem sofre é infeliz, todos sob a face da Terra são infelizes já que sofrer é inevitável à raça humana! Sofrer, para mim, é um processo de amadurecimento que pode nos levar a um aprendizado, uma transmutação de nossa essência que pode nos auxiliar a encontrar a tal felicidade. Mas para isso precisamos entender a "mensagem" que vem junto do sofrimento. De forma que ao desfazermos essa confusão mental de conceitos, chegamos à ideia de que felicidade é sinônimo de paz e aceitamos que, para amadurecermos certas questões humanas, muitas vezes o caminho será pela dor, pelo sofrimento.

Mas ninguém quer sofrer, isso é óbvio. Então, como diminuir a dor? A essa pergunta dedico especial atenção todos os dias da minha vida e sei que é impossível esgotá-la. De todo modo percebi que podemos reduzir nosso sofrimento re-educando os nossos desejos, nem que isso signifique diminuí-los ou trocá-los. Mas aí temos um problemão! Trocar nossas vontades, nossos hábitos, é uma das coisas mais difíceis no comportamento humano! Não fosse assim, não teríamos, por exemplo, um planeta onde morrem mais pessoas por obesidade do que por inanição. Mudar hábitos é muito muito muito difícil. Mas ainda assim defendo que devemos buscar a ter paz neste processo, ter paz no sofrimento. Será possível? De que paz estou falando? Da paz de um monge zen-budista? Ou de um hermitão que vive isolado em montanhas no Oriente Médio? Ou de um padre franciscano pobre de marré-deci? Não, querido leitor, não é nada disso! Pode até ser que esses caminhos ofereçam paz, mas não estou falando delas mesmo porque não entendo nada sobre delas. O que trato é de uma paz interior possível de ser construída dentro de você a partir de agora, cultivada desde este exato momento. É uma paz que, como em um jardim, é preciso dedicar-se debulhar a terra, a plantar as sementes, regá-las todos os dias, aguardar pacientemente germinar seus brotos, vê-los crescer, aparar suas folhas, passar por Sol e chuva, vento e mormaço, cuidar, cuidar, cuidar até que, lá na frente, os frutos brotem e se ofereçam a você. Sim, os frutos! Os frutos são a felicidade, a paz nesta minha metáfora. Dá trabalho pra caramba, leva grande tempo pensando em si, na sua mente, no seu corpo cultivarmos nossa paz interior. E quem tem tempo e/ou paciência para aguardar os ciclos de amadurecimento hoje em dia? Conversando com um amigo que trabalha com jardinagem, descobri que as pessoas compram árvores já maduras para seus jardins! Não querem nem esperá-las crescer! Assim, aprendemos que tudo deve ser para agora e que o que não está bom podemos (devemos?) trocar. Trocamos de celular, computador, TV, amigos, emprego, trocamos de família! Não sabemos mais consertar as coisas, consertar os relacionamentos, nos dedicar ao trabalho contínuo e modestamente progressivo do cuidado. Não sabemos consertar a nossa alma, cultivar nossa paz interior e, por incompetência, a substituímos por prazeres. Esses sim, atendê-los é bem mais fácil. Beeem mais fácil! Mas, como falei, pelos prazeres entra-se num ciclo vicioso de querer, saciar-se, entediar-se e querer de novo que nos leva ao....? À infelicidade. A paz de que eu falo é perene, é um dom de Deus, disponível a qualquer um de forma gratuita. Diferente dos prazeres, ela não tem preço porque não pode ser comprada. Mas ela exige que seja cultivada quotidinamente, longamente, pacientemente. E quando se tem um vislumbre do que é essa paz, mesmo diante das atribulações, mesmo diante da inevitável companhia do sofrimento, ela te preenche, te acompanha, te acalma e faz você seguir em frente. Ela te ensina a ser resiliente.

Não quero terminar esse longo texto sem falar dos abastados. Digo abastados de qualquer coisa: dinheiro, saúde, prazeres... Eles acreditam não precisarem de mudança interna, uma vez que têm seus desejos atendidos e, daí, julgam-se felizes do jeito que são mesmo que tenham que, infinitamente, substituir seus desejos por outros desejos. Quando a gente tem tudo (ou quase tudo) que quer, a gente se sente poderoso, quase invencível (Yes! You can! Again). Porque a bonança gera a displicência em enxergar os nossas necessidades de melhoria, e essa displicência nos leva à ideia de que somos fodas, e se somos fodas merecemos nos saciar. Com o que? Com os prazeres novamente. Até que...Deus o livre!...um dia O Desafio chega, e com O Desafio a reflexão, e com a reflexão uma nova oportunidade de mudança. Porque aquela falta de saciedade tinha origem na necessidade de mudança interior que não enxergamos enquanto estava "tudo bem".  Mas agora O Desafio chegou. Queria estar errado, mas se você duvida desta tese, converse com algum familiar, um amigo próximo que tenha passado por um grande momento de dificuldade...pergunte-lhe se ele concorda comigo. 


Feliz daquele que não deposita nos prazeres a sua felicidade, mas sobre uma paz interior. Esse sim, no gozo do prazer, sabe ter consciência de quem ele é e do que precisa mudar; sabe no enfrentamento do sofrimento ter paz interior e seguir em frente. Este homem, esta mulher, sabe ser feliz. Madre Teresa, Chico Xavier, Mahatma Ghandi, Jesus Cristo. Todos eles e tantos outros gozaram de prazeres simples na vida e também sofreram muito, mas foram eles que encontraram algo tão grande dentro de si ao ponto de a ensinaram à humanidade o que era esse sentimento....possuíam paz interior e, assim, eram felizes.

#Paz


quinta-feira, 27 de abril de 2017

Oi, eu tenho câncer.

Meu telefone tocou. Eram 2pm de uma terça-feira. No visor do telefone, o nome de um velho amigo que não vejo há anos pelas razões da vida adulta contemporânea, mas ele é um querido amigo-irmão. Não importa o tempo ou a distância, somos muito próximos.

(Por questões de preservação da intimidade, irei trocar o seu nome por Mateus)


Mateus: - Oi Danilo, como vai essa luta?
Eu: - Oi, meu camarada! Quanto tempo! Estou na mesma, né? Seguindo em frente na medida do possível, ora mais veloz, ora mais lento, mas sempre seguindo em frente. E você, como anda?
Mateus: - Estou com câncer, cara. Ainda não sabem a origem, mas estou com câncer.

Pausa. O que dizer nesta hora? O que eu, mero mortal, um cara se enxerga plenamente imperfeito, teria para dizer a alguém em uma situação tão nevrálgica?

Respiro fundo, sigo:

Olha, é tanta coisa que passa na minha cabeça nessa hora que fica até difícil de organizar os pensamentos, mas eu vou me empenhar. Espero que você não se sinta desrespeitado com alguma coisa que eu diga.  Lembre-se sempre que estas são somente opiniões muito particulares. O que lhe servir, ótimo, faça uso; já o que não lhe servir não há problemas em rejeitar. Cada um tem o seu jeito, está bem?

Antes de qualquer coisa, quero dizer do fundo do meu coração que eu sinto muito muito muito que a porta do desafio da doença tenha se aberto para você. Sinto muito mesmo, cara. Sei que é tudo muito obscuro e novo para você, e que sua avaliação de si vai te mostrar ser um ser muito frágil. Estar vivo, meu querido, é um estado de muita fragilidade. A gente acha que é forte, mas, como você está vendo, não é. Perceber isso pode assustar no início, pode mesmo tornar-se uma situação terrível, um pesadelo acordado. Eu sei, de alguma forma, o que você sente, eu realmente te entendo, eu já passei por essa porta, você sabe...

Segundo, eu quero dizer o seguinte: Cara, que merda!!! Sim, você também pode xingar, ficar chateado, aborrecido com a vida, puto com o tudo e todos. Você pode! OK? Você pode! E essa história de ficar repetindo que "vai ficar tudo bem! vai tudo ficar bem!", eu não sei como funciona para você, mas para mim, falar essa frase sem o mínimo de evidências é uma coisa irritante. Não! As vezes as coisas não ficam bem! O que é viver senão aguardar o desconhecido? E a vida é assim. Portanto, se quiser ficar bem puto da vida e com a vida, fique! Você pode!

Quanto aos médicos. Bom, muitos deles não gostarão do que eu vou dizer, mas eu não quero ofendê-los. Mesmo porque muita coisa não é "culpa" deles. O ponto é que a medicina alopática atual sabe muito mas não sabe ainda o suficiente para nos curar. Tratam dos efeitos, mas não tratam as causas e assim, perpetuam a falta de saúde. É um modelo de trabalho, uma abordagem de manter o paciente vivo, quase, a qualquer custo. Mas quando eles chegam para atuar, o estrago já foi feito. A doença já está instalada...é uma medicina de guerra, saca? Neste ponto, sou mil vezes mais pró medicina oriental. Aquela galera dos olhos puxados detêm um conhecimento de preservar a saúde enquanto ela ainda existe, é mais manutenção do que correção... Mas, do lado de cá do Atlântico, o estado da arte desta ciência está ainda engatinhando nessa abordagem. Portanto, não espere resposta definitivas, espere possibilidades. E o tratamento do câncer, é um jogo de tentativa e erro, além de ser extremamente devastador para o corpo e para a mente do paciente. É algo que irá exaurir sua energia vital na expectativa de "matar" as células cancerígenas e torcer - eu disse torcer mesmo! - que suas células saudáveis se recomponham e as cancerígenas não. Cara, um dia ainda vão dizer que este método é uma loucura, mas é o que temos para hoje. Eu também passo por isso: sou ligado a uma máquina e fico conectado a ela por horas e, ao terminar, muitas vezes saio pior do que entrei. Fazer o que? É a ciência médica que temos. Não se pode esperar um tratamento com resposta com exatidão. Eu demorei para aceitar esta realidade.

Converse com Deus. Converse muito, meu amigo! Converse em pensamento e converse verbalmente mesmo. Converse em pensamento como quem fala com seu um pai humano. Converse sabendo ser Ele um Ser capaz de escutar o que se passa no seu coração e de lhe oferecer um aconchego que só Ele pode oferecer. Ele ouve, é incrível! E você verá que quando menos esperar surgirá um ombro, alguém para te amparar. Assim, Ele se faz presente fisicamente, através dessas pessoas que estão à sua volta quer sejam seus filhos, parentes, amigos ou mesmo um desconhecido na fila do banco que do nada pára e diz alguma coisa que te toca o coração. Eu recomendo um desafio: aceite o conforto deles e sinta a presença de Deus na sua vida. Ah, tem um livro bacana que pode te ajudar: A Cabana. É blockbuster mas é bom, pode acreditar.

Acho que você também vai chegar na fase de repensar a vida. Vai reviver sua infância, revisitar seus anos na adolescência, lembrar do início de sua fase adulta e nessa hora, é fácil notar um monte de besteiras que você fez e, aí, cair num profundo sentimento de culpa. Você pode chegar à conclusão que ficou doente porque é culpado pelos erros que cometeu! Cara, se isso acontecer pare imediatamente com essa vibe! É um modo de pensar que além de não te ajudar a melhorar não é verdade. Explico por 2 caminhos: 1) Se você pudesse, você puniria um filho seu com uma grave doença por ele ter feito uma besteira? Eu acho que não, não é?! Agora, você acha que Deus - que é Deus e perfeito - iria te punir com uma doença por você ter errado? Se nem você faria tamanha maldade, quiçá Deus! 2) Você sabe que há um bando de corrupto ladrão no nosso país; e esses caras estão lá numa boa, ricos e aparentemente saudáveis. Uns vivem 80 e tantos anos, e não pegam um resfriado. Assim, pense bem, você acha que quem fica doente é porque é culpado de alguma coisa? Não, cara, esquece! Você ficou doente porque seres vivos ficam doentes. Ficar procurando explicações mirabolantes para certos eventos da vida é querer descobrir o desconhecido. E o desconhecido é desconhecido! A gente simplesmente não sabe e, de novo, a vida é assim. Se você ficou doente, vamos enfrentar o que vem pela frente, não o que ficou para trás, OK?

Por essa e outras, também recomendo você procurar uma forma de tratamento energético. Está aí a física quântica e os orientais para dizer que tudo é energia. A matéria, o seu corpo, é tão manifestação de energia quanto os são as ondas FM de uma estação de rádio. Você duvida de que existe uma onda de rádio FM porque você não a vê? Pois é, assim somos nós: energia em um estado peculiar de manifestação: energia condensada, matéria. Somos energia que podemos ver e tocar (Há quem diga que não há toque, mas isso é papo para outro dia). Aprendi que quando nossa energia vital não circula de forma bacana, harmônica...aí surgem as doenças. É por isso que está todo mundo ficando doente! Quem é harmônico nesses dias em uma cidade grande? Me diga somente um nome, quem? Eu sei, eu sei, essa é uma abordagem diferente. É o que tenho aprendido com um tutor de medicina oriental e é por isso que sugiro a você cuidar de sua energia vital. Pode ser através de meditação, tai chi, taoísmo, yoga, acupuntura, não importa. Cuide de sua energia vital.

Toque-se, toque outras pessoas e seja tocado por elas. Durante essas interações observe que você está vivo e que o outro também está vivo. Esses toques podem se dar por um abraço, uma massagem,  um caminhar de braços dados. Pode parecer bobagem, mas parar para se perceber vivo é uma atividade fascinante. Pare e fique atento à vida que pulsa dentro de você. Ouça sua respiração, sinta seu coração, note que, apesar de todas as dificuldades, seu organismo está trabalhando, seu coração está batendo, seu estômago está digerindo o alimento, seu pulmão está fazendo a magia de levar o oxigênio da atmosfera para sua corrente sanguínea. Tudo de forma "automática"! Visite você mesmo! É estonteante observar essa maravilhosa máquina chamada corpo humano e pensar em como você chegou até aqui após tantas décadas, com um órgão que bate quase 1 vez por segundo, o seu coração, desde você ainda ter estado no ventre de sua mãe. Escute, meu amigo, essa orquestra chamada organismo que toca dentro de você numa sinfonia da vida conduzida com perfeição por um maestro invisível. Visite-se!

Toda doença é um portal. Existia um "você" antes e um "você" depois. Essa transição é um processo. Leva tempo. Portanto, resiliência é a palavra-chave. Podem levar meses, ou mesmo anos. Mas dessa desconstrução construtiva, surgirá uma nova alma, alguém mais humano, mais responsável, alguém que sabe distinguir o essencial do supérfluo. Não quero parecer que celebro sua doença, mas espero que você perceba que você está tendo uma oportunidade que muitas pessoas não têm: recomeçar. Lembro de minha mãe, já doente, falar que não sabia se ela teria a oportunidade de tentar de novo, mas que eu, por estar "novo", teria a oportunidade e que dependeria de mim fazer diferente a partir daquele momento. É isso, meu amigo, você também está tendo essa oportunidade. Aproveite-a e faça-a valer a pena!

Por fim, desejo que você viva intensamente o tempo que lhe resta, porque o que temos a não ser o que nos resta? Sempre foi assim e sempre será. Talvez essa sua ficha só tenha caído agora, mas é assim para todos nós: os vivos. É ilusão achar que quem está doente está mais próximo da morte do que quem não está. Ninguém sabe quando vai morrer e todos podemos morrer qualquer momento. Tem jogador de futebol que que do nada pá! cai no meio do campo e o cara estava em plena forma e saúde física. De novo, é o desconhecido! Portanto, liberte-se dos preconceitos e amarras e viva! Viva uma vida comum extraordinariamente! Viva!

No mais, meu querido amigo, meu querido irmão, no que eu puder ajudar conte comigo...enquanto eu estou por aqui :)

Um forte abraço e bons ventos.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

O que eu quero?

Sexta-feira Santa, 14 de abril de 2017.
Acordo às 5am. É dia de viagem. Sinto que esta foi a pior noite da minha vida. Estou moído.
A insistente febre segue. Firme e forte nos seus 39oC e poucos. Não dá nenhuma trégua desde a manhã de quinta. Tive delírios durante o sono! Tive? Não sei. Acho que sim. Olha, eu não sei se tive ou se não tive, só sei que não estou bem. Nada bem.
Como um carro tem de reabastecer num posto de gasolina, sigo em direção à clínica de hemodiálise para "reabastecer". Meu "reabastecimento" demora 4h e devo fazê-lo três vezes na semana e hoje é dia. E sim, como num posto, lá tem fila também.

Quem me atende é a enfermeira. Ela é ótima. Sempre educada e séria, quase formal. É assim que eu gosto.

Eu: - Bom dia.
Enfermeira: - Bom dia, Danilo. Você está bem? Parece abatido.
Eu:  - Olha, tive febre a noite inteira. Ainda acho que estou meio febril. Mas hoje vou viajar com a família. Preciso dialisar. Eu vou conseguir, não vou?

20 segundos de silêncio...

Enfermeira: - Danilo, paciente que está com febre pode ter....bem, melhor não falar porque pode te induzir. Mas vamos acompanhar, ok?
Eu: - Isso, melhor. Boa ideia.

A expectativa é grande de poder sair da cidade grande, fugir de sua dissonante sintonia de buzinas, ônibus e noticiário de corrupção, corrupção. Eu quero é comer o peixe gostoso que a querida Lena deve estar a preparar com todo carinho e amor. Quero encontrá-la e dar e receber um querido abraço e seu sempre cordial "Bem vindo à Serra.". Brincar com a Ághata, uma senhora labradora, e Jhonny, um cão mestiço, como eu (no que diz respeito ao mestiço, ok? :) )
Bem, preciso dialisar. Mas será que vou conseguir? Vamos ver...espero que sim.
Sento-me à minha poltrona.
A médica se aproxima e carinhosamente me avalia. Faço novos relatos de minha febre.
Minha temperatura é aferida pela primeira vez: 39,1oC. Ela parece ficar apreensiva mas igualmente esperançosa de que tudo vai ficar bem.
Agulhas no local, sangue correndo, hemodiálise iniciada.
O zum-zum-zum do salão junto às máquinas de diálise já vai diminuir, logo quase todos os pacientes estarão dormindo e a equipe da enfermagem já já terá descido para seu merecido desjejum. É a rotina. Todos já a conhecem.

35 min...

Hm, acho que está ficando frio. Melhor cobrir-me com o cobertor. Cubro-me. É um bom cobertor. Flanelado, sabe? Ah, e antialérgico. Parece que sou alérgico a quase tudo. Tudo menos cachorro. Amo-os. Mas quanto a medicamentos sou alérgico a quase todos. Azar dos laboratórios! Espero que o frio passe logo.

2 min...

Caramba! Esse ar condicionado hoje está forte! 

Eu: - Por favor, alguém poderia aumentar a temperatura desse ar?
Técnico de enfermagem: - Mas só tem um aparelho ligado do total de cinco. Você está com frio?
Eu: - Sim, hoje está muito frio aqui.
Técnico de enfermagem: - Peraí, vamos ver sua temperatura novamente.

5min...

Médica: - 39,5oC. Qual foi a última hora que você tomou o Paracetamol?
Eu: - Três da manhã.
Médica: - Neste caso, vamos fazer mais uma dose de 750mg e observar a evolução. OK?
Eu: - OK.

20 min...

Gente, mas que frio da porra! Estou me tremendo todo! Já estou com dores na lombar de tanto treme-treme. Estou de olhos vendados.

Enfermeira: - Danilo, está bem?
Eu: - Estou ótimo, Enfermeira (faço um sorriso forçado). É que hoje está muito frio por aqui.
Enfermeira: - Não force a barra. O salão está quente. Tem gente pedindo para ligar outros aparelhos de ar condicionado. Esses sintomas devem ser devidos à sua febre. Acho que você deveria falar com a médica. Vou chamá-la.
Eu: - Não, não! Não precisa. Vai passar, não tem muito tempo que me cobri. É frescura minha...vai passar. (outro sorriso forçado). Ademais, preciso dialisar. Depois daqui vou viajar para passar a Páscoa com a família e amigos na Serra. Preciso dialisar.

Consigo fazer com que ela ceda. Por enquanto.

18 min...

Caraca, que dor na lombar...mas eu vou me concentrar e não vou tremer. Meu pai não diz que frio é psicológico? Então! Hora de por em prática esse ensinamento.

4 min...

Nossa Senhora, eu acho que as coisas não estão indo tão bem. 

Eu: - Por gentileza, posso falar com a médica.
Técnico em enfermagem: - Claro.

1 min...

Eu: - Oi Dra., será que há alguma coisa para poder diminuir esse frio e eu conseguir dialisar numa boa?
Médica: - Danilo, você já está fragilizado. Já tem um tempo que você tomou o antitérmico. Vamos aferir novamente sua temperatura, está bem?
Eu: - Tudo bem.

5 min...

Médica: - 39,9oC. Sua temperatura não está cedendo. Acho melhor parar a sessão e você ir na emergência.
Eu: - Não! Não! Que emergência?! Eu vou perder muito tempo lá. Eu preciso dialisar, gente! Vou viajar!
Médica: - Mas não adianta você ficar aqui tendo calafrios. Você pode piorar e agravar a situação!
Eu: - Eu aguento, Dra.
Médica: - Danilo, vou te dar mais alguns minutos. Se você não melhorar vou unilateralmente suspender sua sessão.
Eu: - Combinado.

Concentro-me para não tremer. Olho a TV, está passando o Bom dia Rio. Tento não pensar. Tento...

20 min...

É, acho que não estou melhorando. Será que os vírus e as bactérias e os nano-seres filhos da puta que estão no meu sangue estão recirculando nesse filtro e isso está me piorando o estado geral? Como eu odeio ficar doente!!! Que merda!!!

Médica: - Danilo, você está tremendo muito. Estou suspendendo sua sessão.
Eu: - Tudo bem, eu entendo. :(
Médica: - Vá diretamente para a emergência. Lá avaliarão seus pulmões, seios da face e tudo que se precisa fazer.
Eu: - Tudo bem... :( obrigado gente.

Estou frustrado, mas entendo a razoabilidade da decisão.

(Tempo total de hemodiálise: 1h47min)

Sigo caminhando pelas calçadas do Bairro do Peixoto. Passos de cágado. Pernas doem. Cabeça dói. Lombar dói. Os olhos ardem. O coração aperta.
Entro na emergência.

13 horas....

- Oi Viviane. Como vai? (Ela é enfermeira).
- Oi Marcos, boa noite. (Ele é técnico em enfermagem).

Estou na UTI. Novamente. Já chego por aqui dando "oi" para as pessoas. Seria engraçado se não fosse trágico.
Páscoa internado. Não há mais viagem. Não há mais companhia dos amigos. Não há mais o peixe, nem o abraço da querida Lena, nem o carinho dos meus amigos caninos.

Dia 20 de Abril de 2017.
Estou de "alta",  saí segunda 17 de Abril do hospital.
Saí cedo de casa para o tratamento de acupuntura. Na sequência, um dos pacientes e também querido amigo, oferece-me para aplicar um novo tratamento que ele acaba de conhecer. Algo chamado medicina emocional de um "guru", um tal Renè Mey. Estou tentando de tudo.

Amigo: - Fique de pé. Olhe para mim. Vamos lá. Qual o seu nome?
Eu: - Danilo.
Amigo: - Quantos anos você tem?
Eu: - 35, quase 36.
Amigo: - O que você quer?

5 segundos de silêncio...

Eu: - O que eu quero? ... Saúde.

Desabo. Choro. Soluço. Quase sinto vergonha, mas não deveria senti-la, não é?
O que eu quero é Saúde.




quarta-feira, 12 de abril de 2017

É com o coração que se ouve

Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Todos temos problemas na medida que eles existem de todos os gêneros e espécies. É problema para todos os "gostos e apetites"! Todos, sem exceção, temos problemas. (Essa é uma das poucas assertivas não relativas na história da humanidade).
Por conseguinte, cada um escolhe, voluntária ou involuntariamente, lidar, enfrentar, passar pelos seus problemas de formas diversas. Uns mais otimistas, outros mais pessimistas, cada um dá a sua "cara", o seu jeitão, no lidar com as diferentes adversidades que a vida inevitavelmente nos apresenta.
Em 2013, tive a separação de um relacionamento de 13 anos, perdi um emprego que amava, descobri uma insuficiência renal e cardíaca e, para completar o quadro, minha mãe descobriu um câncer que, por fim, a levou deste plano 2 anos depois. É amigo, não se pode dizer tive um ano fácil. De forma que foi inevitável a mudança do que eu chamava "plano de vida". Entendi que a vida me dizia: Ei, cara, pare e pense! Onde você está? Para aonde você estava indo? Para aonde você deveria ir?
Não, não se tratam de reclamações as minhas palavras aqui registradas. Como eu disse no início, todos, sem exceção têm problemas, incluindo este despretensioso escritor. O que transcrevo aqui é a minha humanidade, a minha fragilidade, a minha expectativa de, talvez, só talvez, entrar em contato com o seu sentimento, querido leitor, querida leitora. Dividir que estamos todos no mesmo barco. Estamos todos navegando, uns mais cientes de sua direção, outros completamente perdidos, mas todos a navegar em direção a algum lugar. Será que você sabe para aonde está indo?
O dicionário diz o seguinte: o ser é humano por distinguir-se dos outros animais por agir com racionalidade. Eu não poderia discordar tão frontalmente da incompletude uma afirmação como essa. Como assim somos racionais? Se assim o fôssemos, o mundo não estaria como está. Sim, somos eventualmente racionais, mas de forma sobremaneira somos seres emocionais. O que é o amor maternal? Darwinismo somente? O que é sentir a perda de um ente querido, uma perda irreparável que nem o tempo curará em sua plenitude? Frescura? Pergunte a uma mãe cujo filho a deixou por uma fatalidade e talvez, talvez!, você escutará o que é a verdadeira descrição de vazio, vácuo. Mas escute com o coração, porque seu ouvido não é capaz de entender essa dor, esse sentimento. Mas se você optar ouvi-la pela razão, com seus ouvidos, você muito provavelmente irá chamá-la de louca, e nesse caso, é melhor você próprio procurar um psiquiatra.
O que observei é que ser humano é ser sentimento. É sentir a si e sentir o outro. Complexo, não? É compreender, como disse, uma conversa com o coração e entrar em contato com uma forma de saber onde palavras não mais importam, e que é através do coração onde se dará a verdadeira audiência. Como um pai sabe que ama seu filho? Ou um filho sabe que ama uma mãe?  Como você sabe que ama um amigo? Por ouvi-lo com as orelhas? Por gestos? Não, tem certas certezas que se têm e não se explicam. Porque parece ser o coração o órgão onde a verdadeira inteligência nos torna o que somos: humanos.
Por fim, quero dizer que estou longe de ser Dalai Lama, Buda, ou um Iluminado. Não. Eu sou Danilo mesmo, pai de duas crianças, marido, filho, irmão, homem simples e que está aqui dividindo e pensando junto de você, querido leitor, querida leitora, sobre esses grandes eventos que a vida inopinadamente nos apresenta. Se ela ainda não os apresentou, ótimo mas sempre repense onde você está e para aonde está indo. Mas, por outro lado, se ela já o fez parar para pensar sobre sua trajetória...lembre-se: é no coração onde realmente vamos ouvi-la.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Contracultura, contracultura

Pára um Fiat Palio Sedan ao lado de José.

José: - Bom dia, Flávio?
Flávio: - Bom dia, José.
José: - Hemorio, por favor.
Flávio: - Claro, posso seguir o Waze?
José: - Pode sim, obrigado.
Flávio: - Aceita uma água?
José: - Ah, seria agradável. Obrigado mesmo, Flávio.
Flávio: - Por nada, sinta-se à vontade.
3 minutos depois...
José: - Olha, Flávio, que carrão! Essa é a nova CRV, não é?
Flávio: - É sim, José. Mas, sabe, eu prefiro sedans.
José: - É mesmo?
Flávio: - Sim, sim, gosto mesmo é de uma BMW....deve custar uns R$ 300.000,00 a que eu queria.
José: - Tre-zen-tos mil reais? Em um carro?
Flávio: - Sim, claro! Mas é uma BMW!
José: - Mas, por que você gastaria tanto em um carro?
Flávio: - Ah, é porque gosto de velocidade.
José: - Ah, então você gosta de velocidade. Então eu aposto que você adora Fórmula 1, não adora?
Flávio: - Mais ou menos. As vezes assisto, mas não muito.
José: - Hm...
José: - Então se grana não fosse o problema você compraria uma BMW de 300 paus?
Flávio: - Mas é claro?
José: - Mas, diga-me, Flávio, para quê?
Flávio: - Para correr, já disse que gosto de velocidade, ora!
José: - Sim, mas não dá para correr nas nossas ruas.
Flávio: - É...
José: - Mas, além disso, tem mais alguma coisa que você goste numa BMW?
Flávio: - Ah, claro! Eu me sentiria muito melhor?
José: - Se sentiria melhor?
Flávio: - Sim, ué?!
José: - Então você se olharia no espelho de casa com o peito mais estufado? Se sentiria mais homem! É isso?!
Flávio: - (risos) Sim, acho que sim.
José: - Imagino que você iria querer 'cantar' uma mulher do tipo de revista, com um carro desses.
Flávio: - (risos) Claro, né?
José: - Imagino também que na hora do sexo, você deva se olhar e pensar: sou um homem que tem um carro de 300 mil! Eu sou O Cara.... Fala sério, Flávio, você não iria mais confiante pra cama com ela?
Flávio: - (risos) Sem dúvidas!
José: - Sei, sei....
José: - Agora me acompanhe, Flávio...
José: - Você disse que iria 'cantar' uma mulher, digamos, 'diferenciada'. Justamente porque você acredita que um carro de R$ 300 mil te permitiria isso. É isso ou entendi errado?
Flávio: - Sim, é isso.
José: - Mas, cara, você não acha que ela estaria com você exatamente pelo carro? Pelo que você aparenta ter? Pelo que aparenta dar, no sentido material da palavra?
Flávio: - Sim, é verdade.
José: - E ainda assim, você acha que ela seria uma companhia agradável?
Flávio: - Bom....
José: - Por outro lado, você acha que estaria lidando com ela de forma digamos...digna, humana ou você também não a estaria usando de alguma forma?
Flávio: - Veja bem...
José: - Não, por favor, aguarde o término de meu raciocínio.
José: - Agora, estou aqui com botões pensando o porquê de você permiti-la fazer isso com você.
José: - Penso mesmo além disso, Flávio, reflito sobre como você concluiu ser você um homem melhor, mais especial, por ter um carro de R$ 300 mil. Como você enche mais o peito naquela situação e não agora com seu Siena Sedan.
José: - Como você se permite ser menos, hoje, mesmo sendo saudável, com familiares que te amam, com problemas, é claro, quem não tem problemas?, mas cercado de amigos. Você tem amigos e familiares que te amam, não tem?
Flávio: - É, pois é, tenho...
José: - E mesmo assim, tendo tudo isso, trabalhando aqui com seu carro, no aplicativo, ralando, vivendo, como você se acharia melhor, e acreditaria nesse seu modelo mental ser um 'homem melhor' por ter alguma coisa que o dinheiro compra?
José: - Cara, permita-me dizer isso, mas quero dizer respeitosamente que te acho um maluco!
Flávio: - Oi?!
José: - Para mim, Flávio, isso que você falou é uma verdadeira insanidade!
José: - Pior ainda, o que você acabou de dizer é o que é normal -  normal no sentido estatístico, no sentido de que a maioria das pessoas pensa exatamente assim como você!
José: - Aqui na rua, neste exato momento, as pessoas estão pensando, em regra, como você.
José: - Cara, isso aqui, a rua, transformou-se num hospício a céu aberto! Você não acha?!
Flávio: - É...acho que você tem razão, José. Não tinha pensado sob esse ponto de vista.
José: - Pois é, e esse modelo de subordinação humana, de coisificação das pessoas, é ensinado, aprendido, reaprendido, transferido em nosso dia-dia de pessoa para pessoa como se fosse o normal, o real. Nossa TV, nossas revistas, nossos jornais impressos, nossas rádios, nossas mídias sociais, na conversa de jantar de nossas famílias, todos ensinam esse modelo. É a nossa cultura que precisa de uma contracultura! Sabe por que? Porque viver é duro, não é? A gente acredita nisso, e a gente acha que será feliz, e só assim será feliz, quando cada um tiver o seu carro de 300 mil reais. Quando cada um estiver com seu objeto idealizado de consumo em mãos. Mas e aí...o que te faz melhor isso?
(10 segundos de silêncio)
José: - Sabe, acabei de lembrar do Steve Jobs. Você o conhece?
Flávio: - Claro, o cara daquela empresa do iPhone.
José: - Sim, ele mesmo. Ele tinha grana para mandar construir um ônibus espacial só pra ele! Tudo o que se pode comprar na face da Terra, esse cara tinha bala na agulha para chegar e pá....toma aqui o dinheiro. Você sabe do que ele morreu?
Flávio: - Não.
José: - Do mesmo cancer que matou a minha mãe. Eu, José da Silva, duro duro, o Steve Jobs, rico rico. Que diferença há entre nós, de fato? Um carro de R$ 300 mil? Status? Um ônibus espacial?
José: - Olha, Flávio, você me desculpe a franqueza, mas não pude resistir à reflexão com você.
Flávio: Que nada, Zé, obrigado, obrigado (meio pensativo, meio em estado de choque).
José: - Fico por aqui, chegamos! Preciso fazer meu exame trimestral de manutenção do cadastro na fila do transplante de órgãos.
Flávio: - Beleza, sucesso aí, Zé!
José: - Obrigado pela carona, Flávio. Fique com Deus.
Flávio: - Você também, Zé.
José: - Tchau, cara.

Flávio: - Até.

domingo, 26 de março de 2017

Da Petição à Administração

Estamos em abril de 2017. Em março deste ano fiz aniversário de 1 ano de sessões de hemodiálise. São 3 sessões semanais de 4 horas cada. 52 semanas até agora, portanto 52 x 3 = 156 sessões. 156 encontros neste mesmo salão e suas máquinas barulhentas e com minhas amigas agulhas que, digamos, são um pouquinho mais grossas do que a da vacina da Febre Amarela. "É, meu caro, viver também é um processo doloroso" digo isso para mim mesmo. Mas esse texto não se trata de nada disso. Trata-se da Petição à Administração.

Eu oro, sabe? Oro todos os dias. Bom, veja bem...rs, quase todos os dias. Em regra, pela manhã após acordar e antes de fazer minha higiene pessoal; durante o dia, quando algum fdp me fecha no trânsito e eu sei que devo perdoá-lo mas fico com vontade de esganá-lo; algumas vezes antes das refeições; e, quando o cansaço me permite, antes de dormir. (Obs.: À geração dos que se consideram politicamente corretos, apresento escusas pelo "fdp". Escrevo, muitas vezes, sobre os meus sentimentos. Ademais, rezo porque sou réu confesso em minhas imperfeições. Aliás, muito imperfeito. Ou seja, sou normal). De tal forma que meu contato com a galera do "outro lado" é uma constante no meu dia-dia. Chamo-os de "Administração".
Durante esse último ano, em oração, eu agradeci por muitas coisas, questionei outras tantas e, de quebra, pedi algumas outras, sendo que um dos pedidos que figurou na lista Top 10 foi: cura-me?! Onde eu preencho o formulário e protocolo minha petição de cura? O que eu tenho que fazer para poder ter o direito de voltar a gozar de um corpo que filtra seu sangue de forma autônoma, milagrosamente numa imperfeita perfeição?
A ideia de que eu tenho que voltar dia sim, dia não aqui na clínica, como um carro tem de voltar a um posto de combustíveis para abastecer, me gera uma angustiante dependência. Se eu não quiser vir, a consequência é certa, ainda que não tão imediata: morte. Simples assim. Sabida assim.
Claro que, em alguns destes últimos 365 dias, rolou aquela deprê, é raro, mas rolou. Noutros rolou uma profunda culpa porque, por mais que eu nunca tenha cometido crime algum, fiz, como você, querido leitor, querida leitora, algumas m... na vida. Eu já disse, sou muito normal. Mas, no fim do dia, nem cura, nem respostas claras e objetivas às minhas solicitações me foram apresentadas pela Administração (pelo menos eu acho que não foram).
Tomado de alguma indignação pela mora de Deus, surgiu dentro de mim um raciocínio: ora, nesta altura do campeonato, o Administrador já recebeu minha solicitação. Já tomou conhecimento dela, como haveria de ser diferente depois de tanta repetição? E, até onde me consta na consciência, negou-a.  Mas, pense comigo, se Ele, que fez o Universo e tudo que nele há, se Ele que é bom e cuida de mim melhor do que eu mesmo, ora... Ele deve saber o que está fazendo. Em outras palavras, as coisas estão assim e assim devem continuar (pelo menos por enquanto).
Sim, amigo leitor, amiga leitora, estou convicto de que o acaso não existe. Que o imponderável sobreveio à minha vida e eu, sem poder reagir, escorreguei e caí! Mas que, por outro lado,  minha visão de vida é limitada até ali 5 Km à frente. E que Ele, do alto de sua posição, enxerga 10Km, 100Km, 1.000 Km ou tantos quantos ele queira de forma que limitar-me o caminho, força-me a pegar uma curva foi Sua opção. Que nesta estrada que ora sigo terei a oportunidade de ver a "estrada da vida" sob uma ótica que eu, sozinho, jamais poderia ter. Uma ótica instrutiva que faz de mim um homem ainda melhor (menos pior?) do que sou. Um homem cujos valores foram e estão sendo aperfeiçoados. É uma versão power do: o que não mata, engorda. rs
Todos têm problemas, e todos querem resolver seus problemas. Mas e se os problemas forem oportunidades para uma mudança positiva? Se as dificuldades forem portais pelos quais, uma vez ultrapassados, nos apresentam uma chance de conhecer um por uma nova perspectiva, um novo ponto de vista de enxergar as coisas?
Foi assim que eu fiz, é assim que eu tenho feito: enxergar as coisas sob um novo ângulo. Enxergar-me de um novo ângulo. Enxergar a parte do copo cheia, saca? E assim, tenho seguido em frente...
Permita-me uma provocação: e você e seus problemas, como os têm enxergado?

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

1 ano de vida a partir de Outubro de 2016

Tenho 35 anos. Pai, marido, filho, irmão, amigo, cidadão. Estes são alguns dos papeis que tenho ou adquiri durante esse lapso de tempo de 35 anos. Mas foi um médico que trouxe a mais bela notícia do dia: Danilo, resta-lhe 1 ano de vida a partir de Outubro de 2016.


Wow! É emocionalmente muito mobilizante tomar consciência de que se está ainda vivo! Sim! torna-se vivo aquele que enxerga cara-a-cara a Sra. Morte. Ela, silenciosa e definitiva não costuma ser incompetente quando chega, e quando chega...Fim.
Enquanto ela não chega, sua aproximação é anunciada por um estrondoso silêncio que relativiza tudo mais: paternidade, matrimônio, filiação, irmandade, amizade, cidadania....tudo se despede de sua roupagem usual e adquire inéditas outras mais completas significações! Em verdade, os detalhes tornam-se gigantescos eventos a exemplo de cada inspiração, cada espirrar, cada piscar dos olhos...tudo é como se não houvesse sido mas sempre houve e eu não os percebi tanto. O pulsar do coração em sua maestria percebo-o agora tão lindo, tão lindo que enfeita de magia este pleno exato momento de existir de meu ser.
Quase sinto-me culpado por não ter percebido tantos detalhes antes, mas agora já não há mais tempo para sentimentos ruins, há de se usar o tempo com inteligência, eficiência, eficácia, em uma palavra: Amor.
Hei de rapidamente repensar e direcionar respostas às perguntas mais triviais:
Quem sou eu? Para onde vou? Quem meu coração escolheu amar? Quem eu escolhi admirar? Quem eu decidi cultivar, como aquela flor de O Pequeno Príncipe? Quem eu decidi perdoar? Quem eu escolhi ignorar? O que eu fiz de bom? O que eu fiz de ruim? O que eu decidi estudar com profundidade do intelecto e do coração? Que eu decidi modificar no mundo? Quais virtudes potencializei? Quais defeitos extingui ou atenuei? Qual o legado de valor (intangível e imaterial) eu deixei pros meus filhos? Qual, enfim, é a desconhecida história que vou deixar, não para os outros, mas para eu poder rememorar neste derradeiro momento? Será que Deus está orgulhoso por tudo que fiz, digo, em média? "Passei de ano na vida?", por assim dizer?
Ah, meu relógio Tissot, meu cordão de ouro, meu Macbook Pro, todas as minhas roupas de grife no armário e o meu lindo carro! Ah, que escultura móvel mais linda! Se nunca dei muita bola pra eles, muito menos agora conseguem dar significação a este anúncio tão definitivo. Pior! Nenhum deles me fez perceber que o tempo e energia e dinheiro gastos com eles não acrescentaram um grão de areia à minha ampulheta do tempo de que dispus sobre a face da Terra. Nada, zero, nula é a contribuição de cada um desses "bens". Nenhuma felicidade de verdade me trouxeram.
Sabe, queria poder o verbo poder mais um pouco. Não porque morrer é ruim, mas porque poder viver tem um gosto diferente agora. Mas por que só agora sinto-o diferente? Isso é triste :(

Toda essa reflexão é uma simulação mental.  Essa notícia do médico jamais ocorreu comigo. Fi-la hoje, em mente, e decidi por aqui para dividir com você. É uma provocação que fiz a mim mesmo e que agora convido-o a fazê-la por si: e se você tivesse somente mais 1 ano de vida, qual seria sua reação, qual seria sua ação?

Do meu lado, sigo confiante no cuidado de minha saúde. Não espero tanto que o mundo me compreenda; as pessoas sequer compreendem a si e vão esperar que eu as compreenda? Mudá-las? Eu?! Está difícil mudar-me, quiça mudar alguém! A ideia é muito mais: eu na minha, você na sua e nós na nossa em paz! Sempre em paz! Nada de novidade neste discurso mas que, de alguma forma, eu, teimoso, insistia em querer fazê-lo diferente gastando muito mais energia do que o necessário.  É isso: trata-se de escolher no que hei de gastar minha preciosa energia. Sigo,  assim, enfrentando as dificuldades da vida com novo ânimo, com novas perspectivas. Lembrando que eu posso morrer daqui há 1 ano mas que estou vivo e espero não morrer tão cedo!