Sexta-feira Santa, 14 de abril de 2017.
Acordo às 5am. É dia de viagem. Sinto que esta foi a pior noite da minha vida. Estou moído.
A insistente febre segue. Firme e forte nos seus 39oC e poucos. Não dá nenhuma trégua desde a manhã de quinta. Tive delírios durante o sono! Tive? Não sei. Acho que sim. Olha, eu não sei se tive ou se não tive, só sei que não estou bem. Nada bem.
Como um carro tem de reabastecer num posto de gasolina, sigo em direção à clínica de hemodiálise para "reabastecer". Meu "reabastecimento" demora 4h e devo fazê-lo três vezes na semana e hoje é dia. E sim, como num posto, lá tem fila também.
Quem me atende é a enfermeira. Ela é ótima. Sempre educada e séria, quase formal. É assim que eu gosto.
Eu: - Bom dia.
Enfermeira: - Bom dia, Danilo. Você está bem? Parece abatido.
Eu: - Olha, tive febre a noite inteira. Ainda acho que estou meio febril. Mas hoje vou viajar com a família. Preciso dialisar. Eu vou conseguir, não vou?
20 segundos de silêncio...
Enfermeira: - Danilo, paciente que está com febre pode ter....bem, melhor não falar porque pode te induzir. Mas vamos acompanhar, ok?
Eu: - Isso, melhor. Boa ideia.
A expectativa é grande de poder sair da cidade grande, fugir de sua dissonante sintonia de buzinas, ônibus e noticiário de corrupção, corrupção. Eu quero é comer o peixe gostoso que a querida Lena deve estar a preparar com todo carinho e amor. Quero encontrá-la e dar e receber um querido abraço e seu sempre cordial "Bem vindo à Serra.". Brincar com a Ághata, uma senhora labradora, e Jhonny, um cão mestiço, como eu (no que diz respeito ao mestiço, ok? :) )
Bem, preciso dialisar. Mas será que vou conseguir? Vamos ver...espero que sim.
Sento-me à minha poltrona.
A médica se aproxima e carinhosamente me avalia. Faço novos relatos de minha febre.
Minha temperatura é aferida pela primeira vez: 39,1oC. Ela parece ficar apreensiva mas igualmente esperançosa de que tudo vai ficar bem.
Agulhas no local, sangue correndo, hemodiálise iniciada.
O zum-zum-zum do salão junto às máquinas de diálise já vai diminuir, logo quase todos os pacientes estarão dormindo e a equipe da enfermagem já já terá descido para seu merecido desjejum. É a rotina. Todos já a conhecem.
35 min...
Hm, acho que está ficando frio. Melhor cobrir-me com o cobertor. Cubro-me. É um bom cobertor. Flanelado, sabe? Ah, e antialérgico. Parece que sou alérgico a quase tudo. Tudo menos cachorro. Amo-os. Mas quanto a medicamentos sou alérgico a quase todos. Azar dos laboratórios! Espero que o frio passe logo.
2 min...
Caramba! Esse ar condicionado hoje está forte!
Eu: - Por favor, alguém poderia aumentar a temperatura desse ar?
Técnico de enfermagem: - Mas só tem um aparelho ligado do total de cinco. Você está com frio?
Eu: - Sim, hoje está muito frio aqui.
Técnico de enfermagem: - Peraí, vamos ver sua temperatura novamente.
5min...
Médica: - 39,5oC. Qual foi a última hora que você tomou o Paracetamol?
Eu: - Três da manhã.
Médica: - Neste caso, vamos fazer mais uma dose de 750mg e observar a evolução. OK?
Eu: - OK.
20 min...
Gente, mas que frio da porra! Estou me tremendo todo! Já estou com dores na lombar de tanto treme-treme. Estou de olhos vendados.
Enfermeira: - Danilo, está bem?
Eu: - Estou ótimo, Enfermeira (faço um sorriso forçado). É que hoje está muito frio por aqui.
Enfermeira: - Não force a barra. O salão está quente. Tem gente pedindo para ligar outros aparelhos de ar condicionado. Esses sintomas devem ser devidos à sua febre. Acho que você deveria falar com a médica. Vou chamá-la.
Eu: - Não, não! Não precisa. Vai passar, não tem muito tempo que me cobri. É frescura minha...vai passar. (outro sorriso forçado). Ademais, preciso dialisar. Depois daqui vou viajar para passar a Páscoa com a família e amigos na Serra. Preciso dialisar.
Consigo fazer com que ela ceda. Por enquanto.
18 min...
Caraca, que dor na lombar...mas eu vou me concentrar e não vou tremer. Meu pai não diz que frio é psicológico? Então! Hora de por em prática esse ensinamento.
4 min...
Nossa Senhora, eu acho que as coisas não estão indo tão bem.
Eu: - Por gentileza, posso falar com a médica.
Técnico em enfermagem: - Claro.
1 min...
Eu: - Oi Dra., será que há alguma coisa para poder diminuir esse frio e eu conseguir dialisar numa boa?
Médica: - Danilo, você já está fragilizado. Já tem um tempo que você tomou o antitérmico. Vamos aferir novamente sua temperatura, está bem?
Eu: - Tudo bem.
5 min...
Médica: - 39,9oC. Sua temperatura não está cedendo. Acho melhor parar a sessão e você ir na emergência.
Eu: - Não! Não! Que emergência?! Eu vou perder muito tempo lá. Eu preciso dialisar, gente! Vou viajar!
Médica: - Mas não adianta você ficar aqui tendo calafrios. Você pode piorar e agravar a situação!
Eu: - Eu aguento, Dra.
Médica: - Danilo, vou te dar mais alguns minutos. Se você não melhorar vou unilateralmente suspender sua sessão.
Eu: - Combinado.
Concentro-me para não tremer. Olho a TV, está passando o Bom dia Rio. Tento não pensar. Tento...
20 min...
É, acho que não estou melhorando. Será que os vírus e as bactérias e os nano-seres filhos da puta que estão no meu sangue estão recirculando nesse filtro e isso está me piorando o estado geral? Como eu odeio ficar doente!!! Que merda!!!
Médica: - Danilo, você está tremendo muito. Estou suspendendo sua sessão.
Eu: - Tudo bem, eu entendo. :(
Médica: - Vá diretamente para a emergência. Lá avaliarão seus pulmões, seios da face e tudo que se precisa fazer.
Eu: - Tudo bem... :( obrigado gente.
Estou frustrado, mas entendo a razoabilidade da decisão.
(Tempo total de hemodiálise: 1h47min)
Sigo caminhando pelas calçadas do Bairro do Peixoto. Passos de cágado. Pernas doem. Cabeça dói. Lombar dói. Os olhos ardem. O coração aperta.
Entro na emergência.
13 horas....
- Oi Viviane. Como vai? (Ela é enfermeira).
- Oi Marcos, boa noite. (Ele é técnico em enfermagem).
Estou na UTI. Novamente. Já chego por aqui dando "oi" para as pessoas. Seria engraçado se não fosse trágico.
Páscoa internado. Não há mais viagem. Não há mais companhia dos amigos. Não há mais o peixe, nem o abraço da querida Lena, nem o carinho dos meus amigos caninos.
Dia 20 de Abril de 2017.
Estou de "alta", saí segunda 17 de Abril do hospital.
Saí cedo de casa para o tratamento de acupuntura. Na sequência, um dos pacientes e também querido amigo, oferece-me para aplicar um novo tratamento que ele acaba de conhecer. Algo chamado medicina emocional de um "guru", um tal Renè Mey. Estou tentando de tudo.
Amigo: - Fique de pé. Olhe para mim. Vamos lá. Qual o seu nome?
Eu: - Danilo.
Amigo: - Quantos anos você tem?
Eu: - 35, quase 36.
Amigo: - O que você quer?
5 segundos de silêncio...
Eu: - O que eu quero? ... Saúde.
Desabo. Choro. Soluço. Quase sinto vergonha, mas não deveria senti-la, não é?
O que eu quero é Saúde.
HA 28 ANOS EU PASSEI POR TUDO O QUE VC ESTÁ PASSANDO.Graças a DEUS e ao meu irmâo fiz tx,mas agora meu rim está com 6% de função voltei pra hemo novamente,estou aguardando um novo tx.se Deus quiser tudo dará certo pra mim e pra vc, UM grande abraço .DEUS È FIEL.
ResponderExcluirForça amigo! Tamo junto.
ResponderExcluir"E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito."
ResponderExcluirRomanos 8:28
Que LINDO Dan... bonito na dureza, na exposição, na fragilidade, na dor. Beleza não vem só da felicidade. ;-)
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